Roubaram minha chave ou sobre perdas
(reais, virtuais e outras mais)
Ana Claudia
Em
2011 fui vítima de roubo: estava trabalhando e ligaram dizendo ‘sua casa foi
assaltada’. Tudo que se seguiu foi:
desespero, pavor, ódio (em estado bruto) e por fim, bem lá no fim (mas
ainda ressuscitando em dias alternados, dependendo do meu estado de espírito):
resignação.
A
segurança pública é uma lenda. Isso nos foi dito pelo policial que esteve em
nossa casa e nos aconselhou, inclusive, a matar os bandidos em futuras
ocorrências porque a coisa está feia mesmo e etc. ( isso não é uma lenda, ele disse mesmo isso, com todas
as letras).
Nem
vou adiante com esse assunto, quero ficar é no básico: é terrível saber que um
desconhecido entrou em nossa casa, revirou as coisas todas e se foi. Todo mundo
que foi assaltado – em casa, na rua ou no banco e por aí afora– vai entender esse
sentimento.
Pois,
estou cometendo a insanidade de me lembrar disso agora, e o ódio volta com
força, porque é esse o sentimento (claro que em doses
menores) que ressurge diante do que está acontecendo comigo desde o começo deste ano.
Foi
assim: de um dia para outro, não pude mais acessar meu endereço do hotmail- conta que já tenho (tinha) há
mais ou menos 10 anos - como já fiz tantas vezes desde que esse modo de
comunicação apareceu. Numa bela manhã do nascente ano, lá fui eu acessar o dito
cujo quando eis que me deparei com a fatídica mensagem abaixo:
Parece
que outra pessoa está usando sua conta
Para
ajudar você a retornar ao anacvargas@hotmail.com, nós precisamos verificar se é
sua.
Depois disso já preenchi três ou quatro questionários
e...nada. O problema é que como a conta é antiga, não me lembro da resposta para
a tal pergunta de segurança.
Mas o problema maior
é saber que devo me resignar...apenas.
Lugar escuro ou: quem cuida disso, afinal?
Pois é, no dia em que o dito policial sugeriu aqui na sala
de casa que o único jeito de se proteger é o cidadão comum se armar para estar
‘seguro' , nós nos olhamos e nos calamos:
fazer o quê, não é mesmo?
E é assim que me sinto agora
(lembrem-se: sou uma pessoa dramática - rs): vejo minha conta do hotmail quase como uma casa na qual eu
morei por muito tempo e agora, roubaram a chave dessa casa e ela ‘puf’!, simplesmente
sumiu.
(É que essas nossas casas virtuais
só existem, na verdade, a partir das senhas e de tudo que usamos para
construí-las no mundo virtual; tudo aquilo que prova que somos nós os donos
dessas casas reside numa senha falível).
E, então, devaneando em torno disso (é o que me resta)
penso: alguém roubou a chave dessa casa na qual eu morei e na qual havia (há)
uma quantidade considerável de coisas das quais eu gostava: e-mails importantes
de amigos queridos que estavam lá há nem sei quantos anos – eu gostava de
relembrá-los de quando em vez – mensagens inquietantes ou bonitas sobre isso e
aquilo e etc e etc.
Tudo isso é para mim como uma casa
grande, com quartos e salas espaçosas e aconchegantes, com janelas que dão para
quintais floridos ou para paisagens que não importa se belas ou feias, me
tocaram de variadas maneiras. Essa casa é cheia de lembranças e memórias que eu
pensava que seriam minhas para sempre e que estariam sempre ali, ao alcance de
um clique no mouse.
Pois agora, eu olho para trás e nada
mais há (é preciso lembrar de novo: sou dramática, acho que tenho alma russa e
não brasileira, mais para Dostoievski que algum escritor tropical rs): a casa sumiu
numa densa névoa escura.
Essa casa na qual eu guardava minhas
quinquilharias afetivas só existia – isso é bizarro – no momento em que eu
abria sua porta (virtual) com a senha (a bendita chave!) mas de algum modo***,
a chave sumiu e com ela a casa toda com tudo o que havia dentro (naturalmente).
Vocês já pararam pra pensar o quanto
nós todos fomos arrastados para dentro da tal internet a partir do momento em
que ‘tudo’ virou internet? Tudo mesmo: desde pagamento de contas e compra de
coisas variadas (o lado prático da vida) até a construção de relacionamentos (o
lado afetivo e disso se originam outras milhares de coisas mais ou menos
complexas... Será que Freud daria conta disso?! Se ele não, talvez o Jung, o
Bauman, com certeza, tem dado).
E, então, no final de tudo, tentando
voltar para essa casa, fico tendo que provar aos donos verdadeiros dela, a tal
Microsoft - eu achava que era ‘dona’, agora descobri que estava só morando nela
por um tempo e que poderia ser despejada a qualquer momento, ainda que com o
aluguel em dia - que eu ‘sou eu’; que
sei o que há lá dentro e isso e aquilo.
É surreal saber que nunca mais porei
os pés nessa minha antiga casa, mas termino me lembrando de um poema do qual
gosto muito e que ‘explica’ – porque penso que só a literatura consegue nos
salvar dessas mediocridades da vida, sejam elas reais ou virtuais, justamente
por que ela nos permite assumi-las– que a vida é um acúmulo de perdas.
Quanto aos ganhos, vamos correndo
atrás.
O poema em questão– sobre a arte de
perder – é da escritora norte americana, Elizabet Bishop, e sobre isso só posso
dizer que se trata de um duro e necessário aprendizado. E sim, eu sei que ficar
lamentando a perda de uma conta de e-mail em meio às tantas outras perdas
maiores dessa vida e que tem gente perdendo pessoas, casas e negócios e etc. é sim, ridículo; mas
hoje estou me permitindo ser humanamente ridícula.
Portanto, eis o poema:
Uma
arte
Elizabeth
Bishop
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
Tradução
de Paulo Henriques Britto
***Como vou saber o que ocorreu? Um
hacker tentou acessar minha conta? Quais
os meandros disso? Percebi que num momento desses, sou (somos?) tão leiga em
matéria de internet e de tudo mais que existe em torno dela que acho que nem
adianta preencher estes questionários. Duvido que se deem ao trabalho de ler.
Queria saber como funciona a estrutura que permite a existência do mundo
virtual. Talvez eu vá ler algo (mas esse assunto é muito técnico e chato, se
alguém souber de um livro que explique isso pelo lado filosófico, me diga. Não
quero assistir filmes do tipo A Rede ou Matrix e etc. O cinema ainda não
conseguiu (conseguirá?) apreender tudo isso. Mas talvez a literatura consiga ou
já tenha conseguido... quem sabe? Isso tudo é um mar no qual quase sempre nos
perdemos ou naufragamos, como é esse meu caso).
E lá em Santa Maria ?
Ainda sobre perdas: o que é perder uma conta de e-mail diante dos pais e parentes e amigos e etc. que perderam pessoas queridas lá em Santa Maria? Já vimos (e veremos?) esse filme tenebroso tantas vezes: lugares que funcionam sem alvarás ou que tem alvarás, mas não deveriam...
E só depois que acontecem as tais tragédias, é que os envolvidos se sentam para refletir sobre o que poderia ter sido feito e não foi e etc.
Como tudo isso é ' cara' desse nosso país e como tudo é cansativo quando a gente começa a assistir aos jornais, a ler... É a mesma lenga lenga de sempre. Não consigo falar disso e fiquei pensando que se fosse designada para cobrir algo parecido certamente perderia meu emprego: acho que eu me sentaria no chão e choraria com aquelas pessoas. Eu recomendo a reflexão muito lúcida sobre essa e outras tragédias tão brasileiras no blog do Paulo, eis aqui:
Gerais de Minas
Minas e a escravidão
Paulo Santos*
Senhora negra à janela em Lavras Novas: descendente de escravos(?) |
Paulo
R. Santos
A escravidão
existe desde quando o homem descobriu que podia conquistar, dominar, impor-se
sobre os outros, fazendo-os trabalhar e servir de ferramenta útil, como presa
de guerra ou resultado de negociação. A escravidão ainda existe na forma de
servidão econômica, no tráfico de pessoas e uso que se faz delas, isto como,
como se fossem 'coisas'.
A escravidão
no período do Brasil colônia tem características próprias, conforme a região e
o estado em que ocorreu. Em regiões de mineração, de cultura canavieira ou de
café, da criação de gado ou de serviços domésticos, ela varia muito e não pode
ser vista como uma prática uniforme em todo o país.
Em Minas, no
período colonial e nos tempos da mineração do ouro e das pedras preciosas, a
escravidão ganhou contornos singulares. A mútua dependência entre senhor e
escravo os aproximava. Se o senhor tinha a propriedade do corpo do negro, este
trazia da África e de seus antepassados, conhecimentos de fitoterapia, da
guerra e da construção, da culinária e da música, que acabaram por criar uma
relação de menor violência entre eles, embora existisse e não justifica o
sentir-se proprietário de alguém.
Se fossem
escravos sudaneses, por exemplo, provavelmente eram mais alfabetizados que seus
donos, como no passado ocorreu entre romanos e gregos. Os sudaneses eram de
cultura islâmica e sabiam ler e escrever em árabe. Minas e Bahia receberam um
grande contingente desses povos, e isso pode ser notado no tipo de construção
colonial em Minas, onde facilmente se percebe a presença dos arabescos e
pinturas usados na ornamentação de fachadas, de casarões e igrejas, as sacadas
e varandas, janelas e alpendres. Sem contar a enorme quantidade
de palavras e nomes próprios de origem árabe que hoje fazem parte de nosso
vocabulário, como algumas usadas nesse parágrafo, logo acima.
Somos um povo
mestiço de origem afro-tupi-português. Nosso modo de falar mistura palavras de
origem indígena, africana e árabe-portuguesa. Somos predominantemente de
cultura africana, apesar da cor da pele, se isso faz alguma diferença. Dito de
outro modo, somos mais africanos do que pensamos.
Aqui pelo
entorno temos muitas cidades com nomes de origem nativa: Piracema, Itaguara,
Itaúna, Itapecerica, Itatiaiuçú, Moema, Abaeté, Pedra do Indaiá … Minas tem
suas peculiaridades, como outros estados como Pernambuco e Bahia, para citar
apenas dois como exemplos.
Dessa mistura
de crenças e visões de mundo e de vida; dentro daquele caldo cultural de
escravidão recíproca, surgiram essas Minas que cada um descreve como
interpreta. Se o negro era propriedade do branco, o branco geralista, natural
dessas terras, era tido como propriedade da Coroa portuguesa, e esta era
dependente da Inglaterra. Basta alargar o conceito de escravidão e mais coisas
e situações cabem nela.
Aboliram a
escravidão mas não o escravo, como bem percebeu e escreveu Machado de Assis em
uma de suas crônicas. Em Minas, a quantidade de quilombos mostra igualmente a
quantidade de africanos que por aqui tiveram suas vidas e deixaram suas marcas,
algumas que ainda aguardam estudos mais profundos, como o quilombo do Rei
Ambrósio, segundo alguns, maior que o de Palmares. Sim, Minas são muitas!
Paulo Santos é sociólogo e edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/
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Luxo e Lixo
Pois é, ser mineira, morar em São Paulo e ter uma cabeça que quer abarcar tudo é complicado. Eu geralmente me perco, mas essas minhas 'qualidades' eu não vou revelar aqui não rs...
O fato é que nas minhas andanças por aqui, vejo muitas coisas dignas de amor e ódio extremados e então, quando dá, eu fotografo. Já são tantas fotos e onde postá-las?
(Criei um perfil no FlickR para as fotos de Minas, só de Minas**, mas e as fotos de São Paulo? Bom, enquanto não decido o que fazer, resolvi criar outra seção aqui no blog com o originalíssimo nome de 'Luxo e Lixo'.
Funciona assim: a cada semana vou postar aqui algo belo e algo execrável; vamos ver o que vai sair disso, por enquanto é uma experiência. Pode entrar um lugar, uma situação e etc., daqui dessas bandas urbanas nas quais moro há 20 anos (!!).
Vamos lá então?
Vejam se não é um LUXO essa fotografia do entardecer aqui em Osasco? Sim, a cidade é dessas que você vê e não quer olhar uma segunda vez porque há muitos prédios e viadutos e fábricas, mas essa imagem aí merece atenção. Reparem nas linhas de trem da CPTM:
Do mesmo modo merece atenção isso aí que vi numa rua aqui do meu bairro: isso é ou não é algo absurdamente revoltante? Como se não bastasse o abandono de um conjunto de sofás em plena rua, as criaturas ainda deixaram malas de roupas...LIXO total:
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