segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


Roubaram minha chave ou sobre  perdas 

(reais, virtuais e outras mais) 


Ana Claudia


Em 2011 fui vítima de roubo: estava trabalhando e ligaram dizendo ‘sua casa foi assaltada’. Tudo que se seguiu foi:  desespero, pavor, ódio (em estado bruto) e por fim, bem lá no fim (mas ainda ressuscitando em dias alternados, dependendo do meu estado de espírito): resignação.

A segurança pública é uma lenda. Isso nos foi dito pelo policial que esteve em nossa casa e nos aconselhou, inclusive, a matar os bandidos em futuras ocorrências porque a coisa está feia mesmo e etc. ( isso não é uma lenda, ele disse mesmo isso, com todas as letras).

Nem vou adiante com esse assunto, quero ficar é no básico: é terrível saber que um desconhecido entrou em nossa casa, revirou as coisas todas e se foi. Todo mundo que foi assaltado – em casa, na rua ou no banco e por aí afora– vai entender esse sentimento.

Pois, estou cometendo a insanidade de me lembrar disso agora, e o ódio volta com força, porque é esse o sentimento (claro que em doses menores) que ressurge diante do que está acontecendo comigo desde  o começo deste ano.
Foi assim: de um dia para outro, não pude mais acessar meu endereço do hotmail- conta que já tenho (tinha) há mais ou menos 10 anos - como já fiz tantas vezes desde que esse modo de comunicação apareceu. Numa bela manhã do nascente ano, lá fui eu acessar o dito cujo quando eis que me deparei com a fatídica mensagem abaixo:

Parece que outra pessoa está usando sua conta
Para ajudar você a retornar ao anacvargas@hotmail.com, nós precisamos verificar se é sua.
Parte superior do formulário



Depois disso já preenchi três ou quatro questionários e...nada. O problema é que como a conta é antiga, não me lembro da resposta para a tal pergunta de segurança.

 Mas o problema maior é saber que devo me resignar...apenas.



Lugar escuro ou:  quem cuida disso, afinal?




 Pois é, no dia em que o dito policial sugeriu aqui na sala de  casa que o único jeito de se proteger é o cidadão comum se armar para estar ‘seguro' ,  nós nos olhamos e nos calamos: fazer o quê, não é mesmo?

E é assim que me sinto agora (lembrem-se: sou uma pessoa dramática - rs): vejo minha conta do hotmail quase como uma casa na qual eu morei por muito tempo e agora, roubaram a chave dessa casa e ela ‘puf’!, simplesmente sumiu.

(É que essas nossas casas virtuais só existem, na verdade, a partir das senhas e de tudo que usamos para construí-las no mundo virtual; tudo aquilo que prova que somos nós os donos dessas casas reside numa senha falível).

E, então,  devaneando em torno disso (é o que me resta) penso: alguém roubou a chave dessa casa na qual eu morei e na qual havia (há) uma quantidade considerável de coisas das quais eu gostava: e-mails importantes de amigos queridos que estavam lá há nem sei quantos anos – eu gostava de relembrá-los de quando em vez – mensagens inquietantes ou bonitas sobre isso e aquilo e etc e etc.

Tudo isso é para mim como uma casa grande, com quartos e salas espaçosas e aconchegantes, com janelas que dão para quintais floridos ou para paisagens que não importa se belas ou feias, me tocaram de variadas maneiras. Essa casa é cheia de lembranças e memórias que eu pensava que seriam minhas para sempre e que estariam sempre ali, ao alcance de um clique no mouse.

Pois agora, eu olho para trás e nada mais há (é preciso lembrar de novo: sou dramática, acho que tenho alma russa e não brasileira, mais para Dostoievski que algum escritor tropical rs): a casa sumiu numa densa névoa escura.

Essa casa na qual eu guardava minhas quinquilharias afetivas só existia – isso é bizarro – no momento em que eu abria sua porta (virtual) com a senha (a bendita chave!) mas de algum modo***, a chave sumiu e com ela a casa toda com tudo o que havia dentro (naturalmente).

Vocês já pararam pra pensar o quanto nós todos fomos arrastados para dentro da tal internet a partir do momento em que ‘tudo’ virou internet? Tudo mesmo: desde pagamento de contas e compra de coisas variadas (o lado prático da vida) até a construção de relacionamentos (o lado afetivo e disso se originam outras milhares de coisas mais ou menos complexas... Será que Freud daria conta disso?! Se ele não, talvez o Jung, o Bauman, com certeza, tem dado).

E, então, no final de tudo, tentando voltar para essa casa, fico tendo que provar aos donos verdadeiros dela, a tal Microsoft - eu achava que era ‘dona’, agora descobri que estava só morando nela por um tempo e que poderia ser despejada a qualquer momento, ainda que com o aluguel em dia -  que eu ‘sou eu’; que sei o que há lá dentro e isso e aquilo.

É surreal saber que nunca mais porei os pés nessa minha antiga casa, mas termino me lembrando de um poema do qual gosto muito e que ‘explica’ – porque penso que só a literatura consegue nos salvar dessas mediocridades da vida, sejam elas reais ou virtuais, justamente por que ela nos permite assumi-las– que a vida é um acúmulo de perdas.

Quanto aos ganhos, vamos correndo atrás.

O poema em questão– sobre a arte de perder – é da escritora norte americana, Elizabet Bishop, e sobre isso só posso dizer que se trata de um duro e necessário aprendizado. E sim, eu sei que ficar lamentando a perda de uma conta de e-mail em meio às tantas outras perdas maiores dessa vida e que tem gente perdendo pessoas,  casas e negócios e etc. é sim, ridículo; mas hoje estou me permitindo ser humanamente ridícula.

Portanto, eis o poema:



Uma arte

Elizabeth Bishop

A arte de perder não é nenhum mistério; 
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério. 
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero, 
A chave perdida, a hora gasta bestamente. 
A arte de perder não é nenhum mistério. 
Depois perca mais rápido, com mais critério: 
Lugares, nomes, a escala subseqüente 
Da viagem não feita. Nada disso é sério. 
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero 
Lembrar a perda de três casas excelentes. 
A arte de perder não é nenhum mistério. 
Perdi duas cidades lindas. E um império 
Que era meu, dois rios, e mais um continente. 
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente 
que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério. 


Tradução de Paulo Henriques Britto



***Como vou saber o que ocorreu? Um hacker tentou acessar minha conta?  Quais os meandros disso? Percebi que num momento desses, sou (somos?) tão leiga em matéria de internet e de tudo mais que existe em torno dela que acho que nem adianta preencher estes questionários. Duvido que se deem ao trabalho de ler. Queria saber como funciona a estrutura que permite a existência do mundo virtual. Talvez eu vá ler algo (mas esse assunto é muito técnico e chato, se alguém souber de um livro que explique isso pelo lado filosófico, me diga. Não quero assistir filmes do tipo A Rede ou Matrix e etc. O cinema ainda não conseguiu (conseguirá?) apreender tudo isso. Mas talvez a literatura consiga ou já tenha conseguido... quem sabe? Isso tudo é um mar no qual quase sempre nos perdemos ou naufragamos, como é esse meu caso).


E lá em Santa Maria ?


Ainda sobre perdas: o que é perder uma conta de e-mail diante dos pais e parentes e amigos e etc. que perderam pessoas queridas lá em Santa Maria? Já vimos (e veremos?) esse filme tenebroso tantas vezes: lugares que funcionam sem alvarás ou que tem alvarás, mas não deveriam... 

E só depois que acontecem as tais tragédias, é que os envolvidos se sentam para refletir sobre o que poderia ter sido feito e não foi e etc. 

Como tudo isso é ' cara' desse nosso país e como tudo é cansativo quando a gente começa a assistir aos jornais, a ler... É a mesma lenga lenga de sempre. Não consigo falar disso e fiquei pensando que se fosse designada para cobrir algo parecido certamente perderia meu emprego: acho que eu me sentaria no chão e choraria com aquelas pessoas. Eu recomendo a reflexão muito lúcida sobre essa e outras tragédias tão brasileiras no blog do Paulo, eis aqui:






Gerais de Minas



   Minas e a escravidão

Paulo Santos*




Senhora negra à janela em Lavras Novas: descendente de escravos(?)



                                                    

                                                                                  Paulo R. Santos

A escravidão existe desde quando o homem descobriu que podia conquistar, dominar, impor-se sobre os outros, fazendo-os trabalhar e servir de ferramenta útil, como presa de guerra ou resultado de negociação. A escravidão ainda existe na forma de servidão econômica, no tráfico de pessoas e uso que se faz delas, isto como, como se fossem 'coisas'.

A escravidão no período do Brasil colônia tem características próprias, conforme a região e o estado em que ocorreu. Em regiões de mineração, de cultura canavieira ou de café, da criação de gado ou de serviços domésticos, ela varia muito e não pode ser vista como uma prática uniforme em todo o país.

Em Minas, no período colonial e nos tempos da mineração do ouro e das pedras preciosas, a escravidão ganhou contornos singulares. A mútua dependência entre senhor e escravo os aproximava. Se o senhor tinha a propriedade do corpo do negro, este trazia da África e de seus antepassados, conhecimentos de fitoterapia, da guerra e da construção, da culinária e da música, que acabaram por criar uma relação de menor violência entre eles, embora existisse e não justifica o sentir-se proprietário de alguém.

Se fossem escravos sudaneses, por exemplo, provavelmente eram mais alfabetizados que seus donos, como no passado ocorreu entre romanos e gregos. Os sudaneses eram de cultura islâmica e sabiam ler e escrever em árabe. Minas e Bahia receberam um grande contingente desses povos, e isso pode ser notado no tipo de construção colonial em Minas, onde facilmente se percebe a presença dos arabescos e pinturas usados na ornamentação de fachadas, de casarões e igrejas, as sacadas e varandas, janelas e alpendres. Sem contar a enorme quantidade de palavras e nomes próprios de origem  árabe que hoje fazem parte de nosso vocabulário, como algumas usadas nesse parágrafo, logo acima.


"Minas e Bahia receberam um grande contingente desses povos, e isso pode ser notado no tipo de construção colonial em Minas, onde facilmente se percebe a presença dos arabescos e pinturas usados na ornamentação de fachadas, de casarões e igrejas". Foto: Paulo Santos




Somos um povo mestiço de origem afro-tupi-português. Nosso modo de falar mistura palavras de origem indígena, africana e árabe-portuguesa. Somos predominantemente de cultura africana, apesar da cor da pele, se isso faz alguma diferença. Dito de outro modo, somos mais africanos do que pensamos.

Aqui pelo entorno temos muitas cidades com nomes de origem nativa: Piracema, Itaguara, Itaúna, Itapecerica, Itatiaiuçú, Moema, Abaeté, Pedra do Indaiá … Minas tem suas peculiaridades, como outros estados como Pernambuco e Bahia, para citar apenas dois como exemplos.

Dessa mistura de crenças e visões de mundo e de vida; dentro daquele caldo cultural de escravidão recíproca, surgiram essas Minas que cada um descreve como interpreta. Se o negro era propriedade do branco, o branco geralista, natural dessas terras, era tido como propriedade da Coroa portuguesa, e esta era dependente da Inglaterra. Basta alargar o conceito de escravidão e mais coisas e situações cabem nela.

Aboliram a escravidão mas não o escravo, como bem percebeu e escreveu Machado de Assis em uma de suas crônicas. Em Minas, a quantidade de quilombos mostra igualmente a quantidade de africanos que por aqui tiveram suas vidas e deixaram suas marcas, algumas que ainda aguardam estudos mais profundos, como o quilombo do Rei Ambrósio, segundo alguns, maior que o de Palmares. Sim, Minas são muitas!

Paulo Santos é sociólogo e edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/ 
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Luxo e Lixo

Pois é, ser mineira, morar em São Paulo e ter uma cabeça que quer abarcar tudo é complicado. Eu geralmente me perco, mas essas minhas 'qualidades' eu não vou revelar aqui não rs...

O fato é que nas minhas andanças por aqui, vejo muitas coisas dignas de amor e ódio extremados e então, quando dá, eu fotografo. Já são tantas fotos e onde postá-las? 

(Criei um perfil no FlickR para as fotos de Minas, só de Minas**, mas e as fotos de São Paulo? Bom, enquanto não decido o que fazer, resolvi criar outra seção aqui no blog com o originalíssimo nome de 'Luxo e Lixo'.

Funciona assim: a cada semana vou postar aqui algo belo e algo execrável; vamos ver o que vai sair disso, por enquanto é uma experiência. Pode entrar um lugar, uma situação e etc., daqui dessas bandas urbanas nas quais moro há 20 anos (!!).

Vamos lá então?

Vejam se não é um LUXO essa fotografia do entardecer aqui em Osasco? Sim, a cidade é dessas que você vê e não quer olhar uma segunda vez porque há muitos prédios e viadutos e fábricas, mas essa imagem aí merece atenção. Reparem nas linhas de trem da CPTM:




Do mesmo modo merece atenção isso aí que vi numa rua aqui do meu bairro: isso é ou não é algo absurdamente revoltante? Como se não bastasse o abandono de um conjunto de sofás em plena rua, as criaturas ainda deixaram  malas de roupas...LIXO total:




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