Muito tem se falado sobre o avanço do crack para os interiores do Brasil. Especialistas afirmam que isso já era previsto dado ao rigor (muitas vezes questionável) com que o poder público das grandes cidades tem tratado essa questão. O caso da cidade de São Paulo é emblemático.
Pois se nessa que é a mais desenvolvida cidade brasileira e que, dadas às suas proporções, é também a que mais recebe verbas para fortalecer todo o aparato relacionado à segurança pública, a questão das drogas e, mais especificamente, do crack, se configura em equação dificílima de resolver - aqui entram, por exemplo, discussões diversas ligadas à tão polêmica e pouco eficiente ‘guerra às drogas’ impetrada pelos EUA e o fato de que o debate sobre a liberação destas substâncias foi retomado - imagine essa verdadeira ‘bomba’ sendo acionada nas muitas cidades do interior do Brasil; cidades que já são abandonadas em muitas instâncias pelos seus próprios governantes?
Em Minas, por exemplo, estas numerosas cidades de nomes poéticos – Dores do Indaiá; Divinópolis, Estrela do Indaiá, Nova Serrana e etc. – estão vivendo um paradoxo que caberia muito bem na ficção genial e bizarra de um escritor como Roberto Bolaño – quem melhor do que ele para fazer literatura a partir das mazelas latino-americanas e a droga é só uma delas - mas que aqui no viés da realidade real, cria situações limite, coloca todos contra a parede e quando digo ‘todos’ estou me referindo a comunidades que não estão, nem de longe, preparadas para lidar com uma droga como o crack e claro; ao dito poder público que se já não funciona muito bem nos grandes centros, o que dirá então aqui, nos rincões do Brasil?
Em Divinópolis, por exemplo, a maior cidade da região centro- oeste mineira, segundo dados divulgados pela delegacia regional, 90% dos homicídios ocorridos na cidade entre janeiro e fevereiro deste ano tiveram relação direta com o tráfico de drogas. Alguns são casos escabrosos de filhos que matam pais ou que envolvem crianças de 10 anos que já estão inseridas no tráfico.
Já em Dores do Indaiá, cidade de pouco mais de 11.000 habitantes situada a 255 km de Belo Horizonte, a população tem assistido estarrecida a vários casos de homicídios ligados ao tráfico e uso de drogas. Segundo fonte ligada a policia militar que não quis se identificar por razões óbvias, há dois anos não havia ocorrências ligadas ao crack, mas a partir de 2010, os casos aumentaram assustadoramente. A maioria dos envolvidos tem entre 11 e 17 anos de idade e somente este ano já ocorreram na cidade três homicídios relacionados a essa droga. Vale ressaltar que em todas essas ocorrências os envolvidos – sejam eles usuários ou traficantes; sejam maiores ou menores de idade – mesmo quando presos em flagrante delito, são autuados, levados para a delegacia, permanecem encarcerados no aguardo do julgamento, mas são, na maioria das vezes, soltos por não serem julgados dentro do prazo estabelecido pela lei. Quando há menores de idade envolvidos, ainda que haja atuação do Conselho Tutelar do município, os casos não têm o encaminhamento judicial solicitado e novamente os menores são devolvidos aos familiares. A cidade não possui nenhum abrigo ou instituição que oriente as famílias que são, geralmente, desestruturadas, e assim o problema tem sido solenemente ignorado. A situação demonstra claramente o desinteresse dos chamados poderes públicos locais em oferecer uma solução que contenha o avanço do crack na região. Como é natural nestes casos, o número de assaltos a mão armada e os furtos têm aumentando consideravelmente em todas estas cidades.
É claro que quando se pensa na falta de segurança pública das metrópoles brasileiras, nos inúmeros casos diariamente alardeados pela imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, lembrar casos semelhantes que ocorrem em cidades do interior poderia soar, a princípio, como uma questão meramente comparativa, mas aqui novamente é importante ressaltar que justamente dadas às condições econômicas, sociais e culturais de tais cidades é que se trata de casos graves que requerem por isso, a atenção das autoridades responsáveis nas instâncias municipais, estaduais e federais.
O estado de Minas Gerais pode ser visto (infelizmente) como exemplo do quanto o aumento do tráfico e do uso de drogas está se tornando um problema de saúde pública, pois diariamente as comunidades do interior mineiro têm assistido estarrecidas a mortes de crianças, prisões de traficantes que migraram das capitais e estão, literalmente, construindo ali os seus cartéis, e o fazem com tranquilidade, pois não ficam presos e sequer são julgados.
Enquanto isso, as autoridades tomam medidas meramente paliativas ou maquiadoras da realidade social, os tais megaeventos muito comuns na região, se tornaram pontos de negociação dos traficantes-usuários e não apenas locais nos quais se consome a bebida alcoolica do patrocinador ou as demais drogas ilícitas de modo geral.
Para concluir a pergunta que resta é: como mudar a abordagem deste problema de forma que seja possível amenizá-lo? Repressão e exclusão social dos usuários evidentemente não funcionam; o que fazer com o crime que se organiza em torno do tráfico de drogas e de armas?
Como se vê as montanhas mineiras estão encobrindo bem mais do que as belezas naturais do estado. Já se sabe que há várias cracolândias em plena atividade espalhadas pelo Brasil afora e em Minas Gerais, nas cidades do centro-oeste, elas estão funcionando a pleno vapor sob os olhos complacentes do poder público.
(Esse artigo foi escrito com a valiosa contribuição de Paulo Roberto Santos, sociólogo (UFMG), especialista em Política e Sociedade (PUC-MG) e professor de sociologia).
Nenhum comentário:
Postar um comentário