sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O ' problema' do turismo


Ana Vargas


“As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa." (Ítalo Calvino)



Abra o jornal e veja: a indústria do turismo não para de crescer. Leia naquela revista de negócios: agências de viagem, companhias áreas, empresários do setor hoteleiro, todos louvam (com razão) esse crescimento. 


Fazenda, quer dizer, 'castelinho' ...


Agora (para desgosto dos elitistas), até as pessoas de menor poder aquisitivo podem conhecer a Europa, o sul do Brasil ou o Nordeste, os States ou o ‘maravilhoso’ Rio de Janeiro. É bom que mais  pessoas possam viajar e conhecer outros lugares, outras formas de viver por meio, por exemplo,  da gastronomia de cada região e dos tantos outros hábitos específicos de cada povo.


Como tudo isso é justo e perfeito e como a vida parece leve mesmo, quando a sentimos sem o estresse dos lugares em que vivemos nossa vida rotineira feita de contas a pagar,  burocracias, doenças, daquele teste que está nos tirando o sono e etc.. Acontece que quando viajamos com o único objetivo de descansar e nos deixamos envolver apenas pelo prazer de conhecer outro lugar, a vida real parece entrar no modo ‘pause’, em suspenso, e tudo aquilo que, de alguma forma nos oprime, se evapora. 
Vale dos quilombos

Simples.

Mas eis que eu, que acabei de voltar de uma viagem dessas, fiquei pensando foi assim: por que apesar de todos os benefícios econômicos, culturais, sociais e outros mais gerados pela indústria turística e por que apesar de achar muito legal que mais pessoas possam viajar e ‘ampliar horizontes’ – como dizem os clichês do marketing dessa área – por que, afinal de contas, visitar os tais lugares turísticos parece a mim, algo perfeito demais, limpo e asséptico demais, em resumo, algo que parece até  insosso.





Pois as cidades fadadas a abrirem seus espaços para os viajantes de outras terras têm todas um quê de falsa simpatia que as torna, como direi, artificiais. Não sou nem de longe, alguém que viaje muito, pelo contrário, estou entre os que somente a pouco, puderam se dar a esse luxo, mas quando estou em lugares assim, ‘arrumados para turistas’, me sinto como se enganada. 

Aquilo ali não é a realidade real: foi criado para ‘o turista’. Antes da chegada deles, houve reuniões empresariais e os ‘grandes’ do lugar pensaram em maneiras lucrativas de fisgar os muito desejados turistas, e eles também pensaram em como transformar esse ou aquele ponto da cidade em coisa chamativa e juntaram no mesmo saco festas tradicionais e congressos, entregas de prêmios ou o que quer que seja e fizeram parcerias com hotéis, restaurantes e lojas de artesanatos e por aí afora.

Mas nada disso importa e sim: que venham os turistas!


Fundos da fazenda ponto-turístico 





Até o passado é vendido...




Não: nada há de errado nisso. É preciso que empregos sejam gerados e as regiões que possuem paisagens lindas – montanhas, praias, vales, dunas – e culturas criativas (com danças típicas e  artesões dedicados): tudo isso merece sim, ser visto e deve sim, gerar dividendos. Não sou contra nada disso.

Mas eis que as pessoas se esforçam demais para agradar porque o gerente do hotel está ali olhando, eis que é preciso ‘aproveitar’ aqueles cinco ônibus da agência vcc que está chegando e é preciso oferecer, em tempo recorde, todas estas toalhinhas bordadas, aquele cesto e o doce dessa fruta que só existe aqui nesse lugar.




E então, verdadeiros batalhões de gente com cara de metrópole, descem dos ônibus e passam velozmente pelo riacho tão belo assim, com a manhã sobre suas águas, mas muito poucos notam ou podem se dar ao prazer de notá-lo  e ele  continua correndo suavemente para o rio, pois  assim o faz desde que nesse lugar morava somente uma família, isso há mais de cem anos, que vivia aqui sua vida rotineira e repleta das chatices das quais se quer fugir quando se viaja assim, por prazer.

Hoje aquela rotina se transformou em coisa agradável porque lá vêm os turistas e é preciso paparicá-los... A bisneta do senhor de barbas longas ali do quadro foi estudar fora do país para aprender  a transformar a fazenda local de trabalho em fazenda ponto turístico. Todos vestem uniformes e em cada canto há uma lojinha que vende uma infinidade de souvenires: imãs, cestinhos, bichos, camisetas, panos de prato e o que mais a imaginação inventar.




Para turista admirar...


Eles, os ‘deuses’ turistas



Mas do mesmo modo que vieram, lá se foram, eles, os turistas. Alguns levaram fotografias tiradas sempre deles mesmos diante daquela igreja antiga, daquele moinho centenário, daquele muro de pedras antiquíssimo; poucos se interessam em saber (mas também não haveria tempo, há muito para ver, e é preciso correr para ver tudo em minutos! 

Agentes de viagem berram quando alguém, envergonhado, se atrasa) mais sobre isso ou aquilo.

Sob a chuva e o frio: cenário de sonho




E é nisso que se transformou a indústria do turismo: em pacotes de viagens que empacotam pessoas que vão assim, empacotadas, para lá e para cá, vivendo o frenesi de  viajar, conhecer ‘aquele’ lugar, aquela praia...aquele ‘resort’...

E fica a pergunta: quantos apreendem algo do tudo que veem?

E se eles quisessem apreender, seria possível? Conversar com a moça do hotel que sorri e é simpática ao extremo não é o mesmo que conversar com o velho triste que se sentou no banco da praça e mora ali naquela casa tão velha quanto ele há mais ou menos sessenta anos (e ele teria tantas histórias pra contar...)

A cidade histórica ou modernosa vira somente um pastiche: se há um evento cultural é preciso capitalizar insistentemente sobre ele – e dá-lhe fotos de celular para colocar no face ou sei lá onde com o famoso da vez que, ‘por acaso’, está por ali naquele evento...Não, não foi a prefeitura nem o empresário X que o pagou, imagine...


Segredos e verdades: as cidades são



Por trás das folhas...




Toda cidade, todo lugar desse mundo deveria ser especial porque tem sim, algo naturalmente especial: pode ser a famosa Paris ou a anônima Cedro do Abaeté (que conheço bem e comprovo que é linda); pode ser São Paulo ou São Luiz; porque toda cidade ‘ é igual a um sonho’, um ‘quebra cabeça’, como bem nos lembra o autor desse livro maravilhoso – Cidades Invisíveis – o escritor Ítalo Calvino.

O riacho desde sempre corre para o rio...
Andar por elas em dias comuns, conversar com uma pessoa mesmo que essa pessoa não esteja num bom dia e precise de alguém que a ouça, pode descortinar um mundo de belezas comoventes. Nenhuma cidade precisa ter praças remodeladas pelo arquiteto famoso ou lojas fantásticas ou eventos glamourosos para que se queira estar ali. Há muito mais sob essa estrutura rósea e asséptica criada pela turismologia (que é boa, gera empregos, mas tem esse lado, digamos, obscuro).





E assim quantos encantos verdadeiros podem se perder se o incauto viajante, ops, turista, for do tipo que visita lugares como quem só enxerga a superfície plana e inodora que a indústria criou para fomentar as viagens, os pacotes, os eventos e etc. e etc.


Todos os cantos dessa terra são feitos de mistérios e segredos e verdades (sim: verdades) que são aplainadas ou pior, ‘coloridas artificialmente”, quando  a palavra ‘turismo’ se faz ouvir.


Nessa hora é bom ficar atento, procurar outros cantos, ouvir outras histórias, descobrir outros sabores e apreender os ares verdadeiros de cada lugar, porque é só isso que vale a pena levar, certamente de qualquer lugar que se  visita.

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Eu já estava achando que era neurótica por ter esse tipo de pensamento tão 'chato' em relação ao turismo, e então, eis que chega ao meu e-mail a newsletter da Agência de Notícias da USP com essa matéria (veja no link) e acho que isso foi um 'sinal' de que eu devia postar o que havia escrito rs

Há outros 'neuróticos' como eu por aí, e eles são da 'academia' rs.


Imagens: serra gaúcha (um lugar muito bonito mesmo, uma gente muito educada, aqueles campos de 'O Tempo e o Vento' do Érico Veríssimo, tudo bonito demais para que seja apenas comércio de lugares a se visitar).


2 comentários:

Vanessa disse...

É por isso que nunca viajo com pacotes de agências de viagens, acho uma coisa tão presa, tão artificial... enquanto tiver pernas, prefiro criar meus próprios roteiros! :)

Dois comentários:
1)Fui, pouco tempo atrás, visitar Campos de Jordão, que é para mim o auge da cidade cenográfica. Há lugares lindos a se visitar, como o Horto e o Museu Felícia Leirner, mas naquele centrinho abarrotado, onde todos ficam, pouco há de verdadeiro...

2)Sobre a questão do turista, e contextualizando o momento do Brasil, como fala o link da Agência USP, recomendo o filme "O Banheiro do Papa", que fala sobre as armadilhas do turismo e dos grandes eventos. E aconteceu em Guaratiba coisa semelhante, durante a visita do Papa....

Desculpe pelo comentário longo!
Beijos!

Anônimo disse...

o texto é tão bom, tão bom que me fez concluir muitos pensamentos começados nos caminhos percorridos em nossas viagens!

Fiquei com uma grande vontade de refazer caminhos e buscar as paisagens que não estão nos roteiros dos turistas.
E as fotos - uma beleza de olhar!

Anamaria