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Sofás velhos: o outro lado da pujança econômica... |
Moro numa cidade pós industrial da grande São Paulo, um lugar quase sempre de céus acinzentados e paisagens que parecem em alguns trechos, uma mistura daquelas vilas operárias inglesas – Manchester, pelo que vi em fotos– com outras mais de acordo com nossa realidade, como aquelas que vemos em imagens de alguns empoeirados bairros da Bolívia, Colômbia ou algo assim. O fato é que é quase impossível definir a paisagem de uma cidade como esta na qual vivo – Osasco, grande São Paulo – pois é um lugar que está e esteve desde a origem, no centro de tudo o que transformou a cidade de São Paulo, o próprio estado e até o Brasil, no que temos aí hoje (de bom, ruim e inexplicável).
Entre as décadas de 1920 e 1950, Osasco tinha inúmeras fábricas, aquele foi o tempo da chegada de imigrantes que vinham de todo o país e de todo mundo para trabalhar nestas fábricas e para fazer a ‘locomotiva’ funcionar. A cidade cresceu de forma rápida e desordenada, desgarrou-se da capital emancipando-se em 1962 e a urgência em resolver os muitos problemas de acomodação para aqueles que chegavam, a tornou um verdadeiro ‘caldeirão’ sempre prestes a explodir.
E, neste caso, a metáfora não é tão exagerada quanto se pensa, pois algumas explosões de fato aconteceram: a cidade foi palco de inúmeras greves trabalhistas e também na década de 1960 esteve no centro das muitas lutas que envolveram tanto operários quanto estudantes contra a ditadura militar (é que muitos destes operários eram também estudantes universitários e esse fato explica a ‘qualidade’ das lutas trabalhistas que foram travadas por aqui).
Vários artistas representativos da geração que lutou contra a ditadura moravam e ainda moram em Osasco. Ainda há pelos muros da cidade, reminiscências daqueles tempos, mas as fábricas hoje são poucas e embora a cidade ostente com orgulho desnecessário o fato de ser a 10º mais rica do Brasil e o governo local faça ‘aquelas’ propagandas, o que há é a mesma centena de prédios envidraçados com nomes americanizados (certamente), uma paisagem que quando vista de cima ou de longe, lembra modernidade e pujança mas que, quando vista de perto, representa apenas o lado mais visível da tal pós- modernidade: os antigos bairros operários vão desaparecendo rapidamente, as antigas casas são demolidas sem nenhum pudor para que se construam os tais prédios envidraçados com nomes americanizados, os muitos e muitos shoppings e viadutos vão tomando conta de toda paisagem e assim por diante.
Hoje já são quase 1 milhão de pessoas por aqui – é a 6º mais populosa do estado - e o índice de área verde por habitante é um dos menores do planeta – 0,9m² por habitante, quando o recomendado pela ONU é de 6m² . É claro que a falta de segurança pública e todos os demais problemas gerados por tanta pujança são crescentes também: altos índices de violência, congestionamentos monstro quase todos os dias, mas o pior de todos os problemas é aquela velha conhecida nossa, a política desonesta que se aproveita de todos os ingredientes deste caldeirão (afinal, este material todo é para eles muito farto e proveitoso) para fazer com que qualquer necessidade – educação pública, segurança, limpeza urbana etc. – pareça um presente, uma oferta generosa.
Osasco é ou não é a cara de qualquer cidade que você já conhece, caro leitor?
E os políticos daqui, lembram algo a você?
E os sofás?
Pois é nessa paisagem urbana acinzentada perdida entre o que seria a mistura de uma vila operária inglesa decadente com uma latino-americana ainda mais decadente, lugar no qual aqueles que (des) governam a cidade tentam construir a qualquer custo algo parecido com o que deve ser Miami ou sei lá o quê, que vejo pelas ruas o resto de toda essa pujança, assim abandonada sob a forma de... sofás!
Aqui em Osasco – ou terra de Os, como muitos carinhosamente a chamam - é muito comum encontrar sob as árvores, pelas calçadas e praças e ruas, sofás gigantescos, aqueles que as lojas popularescas vendem em não sei quantas vezes; aqueles que são feitos do material mais vagabundo que existe – porque se tudo mais está mudando tão rápido, está sendo engolido às pressas pelas tantas necessidades pós-modernosas, os sofás também precisam seguir estas tendências, como não?! - são, quando não servem mais, simplesmente jogados nas ruas e ficam ali, se decompondo diante dos olhos dos passantes, como monstrengos tenebrosos que a mim parecem representar acima de tudo, a imagem de um tempo que tenta parecer próspero, mas que esconde nas suas entranhas o aspecto que melhor define este nosso começo de século: a impermanência e a indefinição das coisas.
E, por coisas entenda-se desde a paisagem mutante desta cidade na qual vivo com seus prédios envidraçados de nomes americanizados e periferias atulhadas que não param de inchar; até estes simples sofás que largados assim pelas ruas, parecem representar, com certa dignidade (sim!) a decadência orquestrada pelas urgentes (?) necessidades do crescimento econômico a todo e qualquer preço.
(Para ilustrar o texto, meu amigo Ricardo Inforzato, irritado também com os sofás abandonados (eles são muitos e ‘nascem’ da noite para o dia), criou a ilustração que abre o texto).
6 comentários:
Que coisa hein? Um amigo meu voltou recentemente de um período na Europa, inglaterra, e ele montou muita coisa do ap dele com o lixo deles, coisas como tv de plasma super moderna, microondas e tals.Quer dizer, hj são sofás, amnha pode rolar de tudo. beijos (EDCLIFF)
Junte-se o consumismo exagerado ao desleixo "nacional", em todos os sentidos, e temos isso: a maior falta de respeito ao espaço público.
Os sofás abandonados nas ruas poderiam ser, em minha modesta opinião, o retrato do nosso país.
Adorei tudo, cada palavra do que você escreveu e como expressou tão bem essa semelhança.
Pois é Edcliff, mas já está rolando de tudo rs Também há muitos carros velhos largados pelas ruas da cidade e Tvs e monitores de computadores eu também já vi.
bjs e bjs e obrigada pela visitinha rs
Que coisa..
Enquanto uns tem tantos, outros não tem onde sentar..rsrs
Seu texto ficou muito bom mesmo, parabéns!
Eu também fico incomodado com a falta de civilidade que algumas pessoas tem em largar tanta tranqueira pela cidade.
De tanto me incomodar, criei hoje uma página no Facebook para registrar com fotos e com o que mais for possível esse descaso. Inclusive, enquanto pesquisava algo sobre o assunto, coloquei um link para seu post por lá. Espero que você autorize :)
Se você quiser colaborar com a página, sinta-se convidada desde já.
http://www.facebook.com/osascosaladeestar
Abraços!
Oi Márcio,
Fiquei um tempo sem aparecer aqui e somente hoje li seu comentário: obrigada e sim, vou visitar a página.
Boa ideia a sua: fotografar já é uma forma de protestar contra essa situação.
um abraço
Ana Claudia
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