terça-feira, 5 de fevereiro de 2013


Mulheres no front: devemos comemorar?

Ana Vargas

Uma notícia passou meio despercebida em meio à avalanche de outras mais ou menos bizarras ou trágicas com as quais fomos agraciados nesses últimos dias: as mulheres norte-americanas serão – mais precisamente, a partir de 2016 -  aceitas como combatentes nas guerras.
Até agora mulheres só participavam de tais ‘eventos’ como médicas, enfermeiras ou em posições semelhantes.

Pois essa notícia, aparentemente banal, me fez pensar (sim e isso é outro clichê) o quanto a humanidade parece caminhar para a total decadência.
Eu nunca fui do tipo que pensa que mulheres são seres frágeis que devem ficar à margem das questões difíceis que fazem – queiramos ou não – parte da vida e a existência de guerras, é claro, uma delas.

Eu também nunca acreditei na bondade humana (nunca mesmo, nem na infância): a maldade sim, está aí presente no cotidiano sob as mais variadas formas (desde a falsidade de algumas formas de relacionamentos sociais à hipocrisia com a qual os governos nos brindam, diariamente, em suas tentativas de mostrar que estão no controle); já a bondade carece de ser construída tijolo a tijolo e isso dá sim, um trabalho danado.

Por isso, poucos se dispõem a erguê-la, melhor fingir, melhor falsear... certo?

Pois é, e isso é para chegar ao seguinte: as mulheres há muito deixaram de ser  aquelas criaturas frágeis e delicadas, aliás, acho que nunca foram  isso; a história se encarregou de vesti-las com essa aparência fragilizada porque assim seria fácil lidar com a (complexa) natureza feminina.

Imagine minha dificuldade em escrever sobre isso numa época como essa em que vivemos, na qual  algumas mulheres – assim como os homens e nem vou falar dos homossexuais e das minorias  – vivem de um jeito tão supostamente modernoso (e isso não é uma crítica) que nenhuma ideologia parece ser suficiente para defini-las.


Tá complicado entender isso, não é? Melhor ir por outro caminho. O que quero dizer é: as mulheres queimaram sutiãs para dizer que eram donas do próprio corpo, lutaram pelo direito à pílula e ao aborto, lutaram, enfim, pelo fim dos tantos e variados preconceitos e etc. Nós todos que já passamos da adolescência, sabemos disso. A gente também sabe que antes dessas lutas a vida das mulheres era uma porcaria (para usar uma palavra leve) no que se refere aos direitos civis.

Mas aí, algumas mais rebeldes se dispuseram a empreender tais lutas e as coisas foram (lentamente) mudando. Nesse caminho longo, árduo e pedregoso no qual a civilização vai construindo seus acertos e erros, as mulheres podem se orgulhar de muitas conquistas, mas é certo que muitas dessas conquistas, acarretaram também problemas que estão aí, carecendo de novos posicionamentos.


O eterno padrão

Eu, por exemplo, embora me esforce para não ser moralista, não acho nada bom ver o quanto, em nome de uma falsa liberdade, há mulheres às pencas (e essa é a palavra certa) se vendendo nos tantos comerciais disso e daquilo, nas tais revistas masculinas e por aí afora; assim como há outras se refugiando na religião ou nas literaturas de auto-ajuda ou naquele tipo de revista modelo ‘Nova’ que ‘ensina’ como uma mulher deve ser para atrair um homem (pois é: tanta luta pra gente acabar nisso, tentando caber num padrão X... Isso é duro de engolir).

É nesse cenário estilhaçado das tantas lutas e manifestações e isso e aquilo que não vingaram ou saíram pela culatra, que estão mulheres e homens tentando (ainda e sempre) ‘se encontrar’ (como lá no final dos anos 1960 e desde sempre) e é no meio disso tudo que os (des)governos vão tomando as atitudes que consideram adequadas para as necessidades de seus governados.

Eu  que cresci na década de 1970 com aquele ranço hippie de amor e paz, fico pensando o quanto tudo está desvirtuado e diluído (como diria o Bauman; sempre ele): no fundo e no final de tudo há somente a velha e atemporal certeza de que se todos nós – humanos, simplesmente criaturas humanas, independentemente do tal gênero-fôssemos, essencialmente bons; esse não seria um mundo que considera normal o envio de mulheres para o front.

Mas quem falou em normalidade, não é mesmo?
Para terminar: mulheres indo para o front ou nuas em capas de revista; mulheres trabalhando em jornadas triplas para sustentar esse modelo capitalista sanguinário que é como um cadáver apodrecendo na sala de visitas; mulheres alienadas e achando tudo muito ‘muderno’ ou achando que é melhor isso do que alguma reflexão; diante disso só me resta utilizar como fechamento do texto essa frase do Nietzsche: 

“Segue as tuas melhores ou piores inclinações e, antes de mais nada, encaminha-te para a tua perdição; em ambos os casos favorecerás, provavelmente, de uma maneira ou de outra, o progresso da humanidade”.

Assim termino acreditando que, bem ou mal, algum ‘progresso’ haverá de estar aí adiante.
E, só por curiosidade, andei pesquisando o número de mortos em algumas guerras:
1ª guerra mundial: 15 a 20 milhões;
2ª guerra mundial: 40 a 56 milhões;
Guerra da Coreia: 2 milhões;
Guerra do Vietnã: 1,8 milhão e etc.
Isso sem lembrar os muitos genocídios (em Ruanda, Kosovo, Dahfur, Camboja e etc. e etc.) que ao todo, já mataram outros muitos milhões.
O fato de que agora mulheres poderão participar diretamente de massacres, estupros (alguém duvida que a maldade humana não encontrará um jeito de se refinar?) e derivados, deve ser comemorado? Será que podemos chamar isso de ‘igualdade de direitos’ ou... progresso?

Algumas fontes:





 Geraes de Minas


   Confidências entre inconfidentes

Paulo R. Santos*
                                                                                 
Ouro Preto: possivelmente, o cenário dessa conversa tão sigilosa quanto reveladora...
(Foto: Dani Vargas)



                              

Lá pelos idos de novembro de 1788, um diálogo dessa natureza pode ter ocorrido diante dos acontecimentos que se precipitavam na Capitania das Minas Gerais:

- O senhor bem sabe dos riscos que todos os envolvidos correm? Vossa Mercê tem ciência de que nem os irmãos maçons poderão livrar todas as cabeças da forca se houver delação?

- Sim, meu caro capitão! Há entre nós os verdadeiros idealistas, mas não somos ingênuos ao ponto de não suspeitar da existência de infiltrados no movimento. Já sabemos de espiões franceses, holandeses e ingleses acompanhando tudo, à espreita de oportunidades de atenderem aos interesses de seus países.

- E nada será feito, Dr. Tomaz? Sabemos que o povo se levantará se for declarada a Derrama (cobrança compulsória dos impostos atrasados na Capitania), mas há quem desconfie dos portugueses e dos grandes devedores envolvidos no movimento. Será que se o cerco  apertar poderemos contar com o Silvério, com o Pamplona, com o Maniti e o Malheiros? Cada um tem interesses próprios, dá para perceber nas reuniões !



- Quanto a isso, penso eu, nada podemos fazer caro capitão, a não ser com a vigilância dos demais sobre eles e com o silêncio até o ‘dia do batizado’ (senha combinada para o início do levante, isto é, quando o governador da Capitania desse a ordem final para a cobrança da Derrama). Mas não me agrada a falação aberta do Tiradentes sobre o levante, conclamando Deus e o mundo para a luta armada que se seguirá. Ele está a por o baraço no próprio pescoço e no pescoço dos demais envolvidos!

- Ele é um entusiasta, doutor, eu o conheço bem! Não vai ficar calado nem que o amarrem. Mas o senhor tem razão quanto à prudência nesses casos. Poucas vezes saí das Gerais, mas sei do que ocorreu nas ex-colônias inglesas na América do Norte e o que está a acontecer na França. A coroa portuguesa não terá misericórdia se o levante daqui for descoberto! Vai fazer dele um exemplo para as demais capitanias e colônias ! Eu não confio no Pamplona nem no Malheiros.

- Há que se vigiar, capitão. Os geralistas (gentílico anterior a mineiro), porque nasceram nessas terras, têm com ela um vínculo natural e profundo. Muitos ainda falam somente o nhengatu (língua criada pelos padres jesuítas - mistura de português e tupi -, e que foi muito usada como língua geral até a vinda da Corte para o Brasil). Raízes que pretendem manter para seus descendentes. Eu mesmo não nasci na colônia, mas a amo mais que a Portugal ...

- Mesmo entre os geralistas há os que vacilam. Muitos sabem da guerra dos emboadas, da insurreição de Felipe dos Santos e do morro da queimada, do morticínio dos índios e da perseguição aos quilombolas, principalmente do fim do quilombo do Campo Grande. Há medo no ar e cheiro de morte, Dr. Tomaz. Muitos se preocupam com suas famílias, parentes e amigos, filhos e filhas, mães ...

- Já combinamos negar tudo, capitão, caso haja delação da conjura. Se a negação conjunta não funcionar, os cabeças deverão minimizar o assunto e dizer serem conversas de tabernas, ocas e sem propósito, assuntos de gente bêbada, ... Ainda assim há risco, pois o governador pode não aceitar e determinar investigações, se já não o está fazendo... Aqui é o estopim, caro capitão, mas Pernambuco, Bahia, Rio e mesmo São Paulo estão a esperar os acontecimentos iniciais a partir daqui!

- Há sempre um alto preço a se pagar pela liberdade, Dr. Gonzaga. Os que como eu, aqui nasceram e cresceram estão cansados de trabalhar e pagar impostos tão altos, e sem direito sequer a produzirem aqui o que precisam ... nem mesmo sal ou tecidos comuns ... Comprar de Portugal o que os ingleses produzem é o fim!

- Volte para sua fazenda, capitão, e em suas andanças fique atento a qualquer movimentação estranha ou conversa suspeita. Envie um alerta indireto em poucas linhas, e através de um mensageiro de sua confiança, endereçado a mim ou ao Dr. Cláudio Manoel. Por agora, vou arejar um pouco conversando com minha noiva, minha doce Marília !

Sociólogo e editor do blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/
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 Arte


A alma humana no traço genial de 

Osvaldo Goeldi



“ Os fenômenos da natureza me empolgam – trovoadas, ventanias, nuvens pesadas, céu e mar, sol e chuva torrencial e noites cheias de mistério, pássaros e bichos. Os dramas da alma humana me consomem. Sinto-me bem com os simples e às vezes me confundo com eles.” (Goeldi - 1937)

Um dia eu estava lendo um livro e me deparei com uma gravura intrigante e perturbadora que depois eu viria a  saber,  era de Osvaldo Goeldi.





Pois desde aquele dia, me tornei admiradora do trabalho desse grande artista brasileiro e sempre me deixo fascinar por suas gravuras e ilustrações.


Ao longo de sua vida,  Goeldi (1895 – 1961) ilustrou vários livros, alguns dos quais do escritor Fiodor Dostoiesvisk: nada mais adequado para dar vida à literatura intensa e profunda do escritor russo do que suas gravuras carregadas de profunda melancolia e  beleza.






A frase de abertura desse texto revela de maneira exata a genialidade de um artista que, como poucos, soube retratar as angústias existenciais e os muitos dramas humanos de uma maneira  simples mas, justamente por isso, fascinante.





Na verdade, o motivo desse texto é informar que a  Pinacoteca de São Paulo abriga até o dia 24 de fevereiro uma exposição com 56 gravuras de Goeldi feitas  entre 1924 e 1960. 





Aqui você pode conferir algumas obras de Goeldi (gentilmente cedidas pelo Projeto Goeldi*). Vale informar que estas não são as obras que estão presentes na exposição.
Lá estão retratadas cenas dos subúrbios cariocas, a vida anônima dos marginalizados, os variados dramas humanos: tudo carregado de tristeza sim, mas também de muita poesia e beleza.


 Quem quiser saber mais sobre a exposição, acesse: 

Acesse também http://www.oswaldogoeldi.org.br/ e conheça mais da obra de Goeldi por meio, claro, de suas obras; mas ainda por meio da visão de alguns escritores e intelectuais brasileiros. Vale muito a pena.