segunda-feira, 26 de novembro de 2012


Na senzala com Danuza

Ana Claudia Vargas


Querer ser ‘especial’ é normal, mas isso não é para qualquer um não...


E então a Danuza meio que reclamou, na Folha¹ de ontem, do fato de que agora até porteiro de prédio pode viajar para o exterior pagando em não sei quantas vezes a viagem e diante dessa (suposta) facilidade concedida aos seres dessa categoria, ela pergunta: ‘qual é a graça?”.

E aí ela destrincha uma lista de coisas que antes eram ambições somente dos que tinham grana, mas que hoje estão disponíveis para qualquer um (que desplante!) que esteja disposto a parcelar e parcelar. Além das viagens, há os apartamentos, os carros, os brinquedinhos tecnológicos e tudo o mais que pode ser comprado para que a gente tenha a ilusão de que faz parte disso ‘tudo’, digo, das benesses da modernidade.

E então, primeiro (guiada pelo senso comum) eu a achei extremamente preconceituosa e fiquei pensando ‘também sendo ela quem é só poderia escrever esse tipo de coisa mesmo’ e etc. (A gente não pode esquecer que ela só se tornou colunista porque há mil anos foi casada com o Samuel Wainer.  É mais ou menos isso: ‘Diga-me com quem fostes casada e eu te direi que cargo ocuparás no jornal X’ . Apesar disso, se ela está aí há tantos anos e já escreveu até livros, e se seu texto faz com que as pessoas o discutam e escrevem sobre ele (!) é porque ela tem algum talentinho pra coisa, devo dizer).


Renata R. Inforzato
A visão desse símbolo de refinamento agora é para qualquer um....pode?!
Afinal...
(foto: Renata Inforzato*)





















Assim, pensando pelo lado do ‘talentinho’, acho que ela conseguiu até soar um pouco irônica em alguns trechos e daquele seu modo ‘carioca burguês’ de ser, ela faz uma leve criticazinha à onda consumista que parcela desde alimentos até viagens para África em trocentas vezes e nisso, eleva à condição de consumidores não refinados, pessoas que vão à Paris não para apreciar a verdadeira obra de arte a céu aberto que (dizem) é aquela cidade e sim, para comprar lembrancinhas para os parentes que moram nas periferias paulistanas, cariocas, mineiras e/ou soteropolitanas. 

Gente que nunca leu Proust ou Flaubert, ora essa!  Como ousam?!


Gentalha!**

Enfim, há um bando (e bando é a palavra certa) de gente viajando e consumindo desesperadamente porque é também cada vez maior o desapego das pessoas por coisas como livros (como ela fala no finalzinho, aliás**), pela apreciação do ‘mundo’ a partir dos lugares em que moram – por que ser um pé rapado na Europa ainda é mais chique do que ser pé rapado no Brasil? Pois é isso o que (imagino) pensa quem parcela viagens em 250 vezes para a Inglaterra, quando poderia (porque não?) conhecer o interior do Brasil (não estou falando dos lugares turísticos e sim de qualquer lugar, porque qualquer lugar na França ainda parece valer mais do que os melhores lugares de São Paulo ou Salvador) – digo, serem capazes de ‘olhar’ para seus bairros e cidades com algum apreço e desejo de conhecer mais sobre a história desse lugar. Talvez a gente ainda precise é aprender a ser brasileiros com alguma estima pelo fato de ter nascido aqui nesse país (nada a ver com orgulho e/ou isso de futebol + carnaval + novela brasileira e de achar que nós sempre precisamos criar uma imagem legal para eles, os estrangeiros; quando se sabe que eles vendem a imagem que querem pro resto do mundo e não estão nem aí... ).



Renata Inforzato
...quem você pensa que é pra pisar nestas pedras....

Mas quem não enxerga seu próprio país é certo que vai sair aí pelo mundo não enxergando muita coisa, aliás, na atual conjuntura, quem é que está querendo enxergar alguma coisa, não é mesmo?

O importante é consumir bastante, viajar e postar no ‘face’ as fotos diante dos pontos turísticos: ‘ver e ser visto’.

A Danuza talvez  esteja certa ao olhar pra tudo isso com o velho desdém (como disse, não podemos esperar muito dela, não é o caso) de quem sempre ‘viu’ (?) esse país de cima pra baixo (como acontece com quase todos os nossos colunistas), afinal, para quem esteve sempre acostumada a ser especial saber que essa frágil condição está cada vez mais ameaçada  nesse nosso pós-moderno, pré-apocalíptico (!) e suspenso em ondas de violência lá na faixa de gaza e aqui, na perifa paulistana... não deve ser fácil (tadinha dela, fiquei com pena...rs).


Humanos...ou não?



Pra terminar: que bom seria se todos os humanos – afinal, não somos todos ‘humanos’? Ou uns são mais humanos que outros? – pudessem sempre e sempre, viajar para a Europa ou pra Quixeramobim, comer em lugares refinados, estudar em boas escolas, ouvir boa música, mas para isso precisaríamos nos humanizar (estranho isso, visto que a priori, já somos humanos) e querer criar guetos e separações – como estamos vendo isso não tem dado  certo com os palestinos e israelenses, eles também se acham uns mais especiais que os outros; do mesmo modo que os alemães em relação aos judeus e etc. – não é a melhor saída, penso eu.




Renata R. Inforzato
...ou pra ver paisagens deslumbrantes como essa? Contente-se em olhar para o Tietê e/ou para  os morros periféricos!

E, apesar da ironia e de ter sido capaz de ‘ver’ isso no texto com uma ajudinha (é bom ter amigos inteligentes rs) eu ainda acho que a Danuza, bem lá no fundo, deve ter uma baita saudade dos tempos em que cada pessoa sabia ‘o seu lugar’. Do tempo em que empregadas domésticas eram obrigadas a dormir no emprego, do tempo em que brancos e negros eram somente brancos e negros e isso estava determinado por leis estatais que definiam até onde uns e outros poderiam se sentar nos transportes públicos.

Talvez ela devesse se mudar pra Índia, porque apesar das mudanças (ah, pós-modernidade, quantas guerras étnicas ainda vais causar?!) lá as tais castas ainda insistem e resistem e foi a pouco que (por exemplo) o estupro de mulheres de certas castas por homens de castas superiores, se tornou crime (quer dizer, as mulheres estão na batalha pra conseguir efetivar isso).

Viajei? Acho que um pouquinho, né?  É que ainda acho que todo ser humano deveria ser especial e enquanto a gente não souber enxergar isso uns nos outros, o mundo vai continuar sendo isso aí que tem sido e eu não vejo graça nenhuma em saber disso.

Com ou sem ironia.



 * Impossível não lembrar do Chaves (é eu acho graça naquilo) na hora em que o Kiko diz indignado e pulando rs "Gentalha! Gentalha!" rs

* Minha amiga Renata Rocha Inforzato é jornalista e está morando em Paris há mais de um ano. Ela é gente boa demais da conta, emprestou essas fotos lindas, anda por lá fazendo amizades porque como pessoa do bem, faz amigos onde quer que vá! Ela edita esse charmoso blog que vale (muito) a pena visitar sempre:




Seção Geraes de Minas


Hoje, mais uma vez o sociólogo Paulo Santos vem nos brindar com mais um texto que ilumina as muitas faces das Minas Gerais e, ninguém melhor pra falar de mineiridade, do que o Rosa com _ como bem diz o Paulo  -  'suas histórias (...)  cheias de crianças, de animais que pensam e falam, de loucos, de prostitutas, de cegos, de estropiados e profetas enlouquecidos na esperança de um outro mundo...". No texto abaixo, o Paulo explica porque o Rosa tem essa facilidade em revelar (e a palavra certa é bem essa) essas nuances mineiras mas tão universais. Ele ainda sugere um curta-metragem baseado no (grande) Grande Sertão Veredas.

Boa leitura, portanto!


Minas, segundo Guimarães Rosa



                                                                 Paulo R. Santos

Muita gente já escreveu e escreve sobre Minas. Mas - a maioria certamente -, escreve sobre Minas olhando de cima para baixo, ou da Casa-grande para a Senzala, se o leitor preferir. Guimarães Rosa viu Minas na horizontal, ao nível do solo, e o que viu e viveu descreveu em seus contos e romances  mágicos.

Ninguém escreveu e falou mais sobre os heróis obscuros e anônimos do que ele. Suas histórias estão cheias de crianças, de animais que pensam e falam, de loucos, de prostitutas, de cegos, de estropiados e profetas enlouquecidos na esperança de um outro mundo;  histórias cheias de mulheres que sofrem e choram. Umas se resignam, outras se vingam. Tiros e facadas, bois fora de controle, uma natureza que faz e desfaz as coisas de uma hora para a outra. A fé misturada em tudo!

No Grande Sertão: Veredas, tem lugar para o sofrido amor entre o jagunço Riobaldo e Diadorim dos olhos de buriti. Tem espaço para estranhos códigos de honra. Não se pode trair o bando e nem falar mal da mãe de ninguém. A mulher tem presença forte, e é o Riobaldo quem diz sobre as prostitutas, que elas são como irmãs. Ou “tudo que é bonito é absurdo”. Riobaldo, com o coração dividido entre Otacília, Nhorinhá e Diadorim !




“Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é a minha neblina” (G.R)




Guimarães Rosa foi buscar na fonte as origens e raízes de Minas. De uma Minas que desaparece lentamente, engolida por um tal de progresso que passa e mata que nem o bando do Zé Bebelo. O mineirês usado em seus livros também vai sumindo, com a morte dos últimos falantes desse jeito de conversar com o corpo e com a boca, enquanto a colonização de um estado sobre outro vai se consolidando pelas telenovelas de gosto duvidoso.

A jagunçagem hoje é feita por gente de terno e gravata; discursos limpos por fora e podres por dentro. Os bandos se apresentam na forma de siglas que pouco significam para os mais pobres e simples. Minas ficou cheia dos Hermógenes e por aqui nem o Demo faz careta mais. Hora de buscar conselho com o compadre Quelemém!


                                              …...........................

Curta-metragem de Marily da Cunha Bezerra, baseado em um episódio de "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa.


Riobaldo conta o encontro que teve aos 14 anos no porto do Rio de-Janeiro, com um belo e estranho menino chamado Diadorim, e a posterior travessia pelo Rio São Francisco, que os levará à descoberta do amor, do medo e da coragem.
Direção e Roteiro: Marily da Cunha Bezerra
Direção de Arte: Kátia Coelho
Montagem: Sarah Yakhni
Trilha Sonora: Badi Assad 
Narração: José Mayer
Elenco: Nana de Castro, Cristina Ferrantini, Evandro dos Passos Xavier, Paulo de Souza, Manuelzão, D. Didi 



segunda-feira, 19 de novembro de 2012

“Observadores”: um país (visto por dentro) em imagens




Ana Claudia Vargas


“Uma fotografia não vale mil palavras, mas vale mil perguntas.” 

Allan Sekula



Revelar um país por meio de imagens fotográficas feitas desde a década de 1930 até os dias atuais: esse é o mote da exposição “Observadores” que fica em cartaz no Sesi-SP até o dia 25 de novembro.
Dizer que é uma viagem pela Grã-Bretanha é um clichê, então eu prefiro dizer que é uma viagem ‘por dentro’ da Grã-Bretanha, por paisagens pouco mostradas, pessoas pouco lembradas, por variadas situações cotidianas que estão longe (felizmente) do que é mostrado em propagandas turísticas.

Shirley Baker - Manchester - 1965*


É partindo dessa visão pouco comum, portanto, que vamos conhecendo a Inglaterra através do rosto sofrido e resignado de pessoas que tiveram suas casas destruídas durante os bombardeios ocorridos entre 1939 e 1945, dos jovens que moravam no interior do país  durante as décadas de 1960 e 1970 e deixaram eternizadas expressões de alegria ou certa indiferença e alguma rebeldia.


Ida Kar - Um inglês 'típico'.*

As cinco crianças negras sentadas na calçada (serão da mesma família?) numa fotografia feita por Shirley Baker, em 1965, nos fazem lembrar aquele tempo da infância que todos nós vivemos: um tempo de despreocupada alegria (embora a carinha enfezada da caçula também nos lembre que nem tudo na infância são flores).



Humphrey Spencer - Washing Day*

Os lugares retratados na maioria das fotos não é nenhum desses que vemos quando se mostra a Inglaterra vitoriosa, pujante e/ou coberta daquele falso glamour dos lugares modernos ou muito iluminados.
Os fotógrafos da mostra – Paul Nash; Raymond Morre, Ian Berry, George Rodger, Nigel Henderson, entre muitos outros – preocuparam-se em mostrar imagens que suscitam perguntas (como bem lembra a citação do começo desse texto) e não que ofereçam respostas. É certo que eles parecem querer provocar a reflexão e o questionamento.

Derek Ridgers - Babs Soho - 1987*

Sobre isso é melhor citar um trecho do folheto para definir com mais precisão o tipo de fotografia presente na mostra que é chamada com justiça de “Uma antropologia de nós mesmos”: Vamos lá:

“ Foi somente na década de 1930(...) que a idéia de uma ‘fotografia moderna’ ganhou corpo. (...)Em um período de profunda divisão social e ideológica, com a depressão econômica e conflitos políticos internacionais levando o mundo mais uma vez em direção à guerra, a atenção estava voltada para as pessoas e  para a maneira como elas viviam. Revistas e jornais criaram uma nova demanda para as fotos e para as histórias ilustradas. Artistas, escritores e pensadores, particularmente os de esquerda, abraçaram temas sociais e um novo realismo, numa tentativa de compreender e retratar a sociedade britânica com nova objetividade e imparcialidade científica: para se engajarem em uma  ‘antropologia de nós mesmos’. Um debate entre o Realismo e o Surrealismo atravessou a década de  1930. Inúmeros fotógrafos, voltando suas lentes  para sujeitos sociais desconhecidos, percebiam a realidade como surreal, estranha. Como muitos descobriram, a verdade podia ser mais estranha que a ficção”.

Pois é partindo dessa premissa que estes fotógrafos adentram os subúrbios londrinos nos quais moram em humildes sobrados geminados, operários que possuem numerosos filhos; e passeiam por paisagens do interior do país mostrando piqueniques coletivos nos quais se junta uma diversidade de pessoas e culturas que parecem simbolizar - ainda e apesar de tudo – a esperança de que povos de diferentes raças e culturas vivam em paz.

Paul Trevor - Liverpool *

Proletários ou elegantes, simplórios ou sofisticados; com aquelas caras tipicamente inglesas de velhos senhores e senhoras que devem sim, tomar chá às cinco da tarde (ou não); jovens suburbanos com posturas rebeldes vestindo jaquetas de couro e com os cabelos raspados (essa, a imagem mais corriqueira quando se pensa em ‘juventude britânica’) ou moças  de rostos sonhadores e ares singelos – fotografadas por Daniel Meadows -  destoando do que se poderia esperar de mulheres inglesas do começo da década de 1970: tudo isso compõe um rico mosaico de imagens que nos deixam com o desejo de conhecer estes lugares e principalmente, aquelas pessoas, embora saibamos que hoje tudo está mudado (pessoas, lugares e os tempos nos quais se situavam).

Daniel Meadows - Jovens ingleses - 1974*

Destruindo mitos pré-fabricados e talvez, construindo outros; revelando paisagens sociais e humanas de um país para além do que nos acostumamos a ver quase sempre, a mostra “Observadores’ oferece a possibilidade de conhecer a Grã-Bretanha caminhando por trilhas e estradas pouco frequentadas, adentrando desde salas de casas pobres até as famigeradas salas de espera de órgãos públicos – essas são deprimentes em qualquer lugar, como se descobre -  passando por escritórios ou  quintais e clubes campestres nos quais os britânicos perdem a pose e se agarram felizes, conformados ou abertamente despudorados, à vida: é assim que essa mostra cumpre com louvor o seu (ou um dos) papel de exibir uma “antropologia fotográfica” da Grã-Bretanha.

Para terminar é importante dizer que a mostra “Observadores” faz parte de um projeto do professor de artes, João Kulcsár,  e que tudo começou na década de 1990, quando ele foi bolsista do British Council . A mostra é também apenas parte de outro projeto, mais amplo, que utiliza a fotografia como forma de criar nos jovens (e professores) a capacidade de analisar criticamente a sociedade.

* Fonte de todas as fotos: Alfabetização Visual 

Para saber mais sobre a mostra e sobre esse projeto, visite:

Seção Geraes de Minas

Hoje a seção Geraes de Minas apresenta um belo poema do novo colaborador (espero) oficial, Lázaro Barreto, que descreve no poema abaixo os muitos e poéticos nomes de algumas cidades, lugarejos, povoados, enfim, dos tantos cantos desse imenso 'país' chamado Minas Gerais. Aproveito para agradecer - publicamente - ao Lázaro e dizer que suas contribuições serão sempre muito bem vindas.


Toponímia dos Campos e das Minas Gerais 
Lázaro Barreto.


                                                                    

                                                                    Cabeceira do Buriti

                                                                      Brejo dos Mártires

                                                                    Córrego dos Nobres

                                                                          Água Emendada 

                                                                  Chapada das Perdizes

                                                                          Onça de Pitangui

                                                                              Sapucaí-Mirim
 
Abre Campos,  Passa Vinte Velho,  Barra da Cega,  Borda Mata

Campo do Meio, Catas Altas da Noruega, Pinta-Pau, Rio Espera

Cava de Fora,  Curralinho de Dentro, Soca-Pó, Sombra da Tarde

Juiz de Fora, Mãe dos Homens, Penha do Capim, Fecho do Funil

São Sebastião das Três Orelhas, Quem-Quem, Palmeiras de Fora

Santa Rita  de Pacas,  Quebra Viola,   Pedra Menina,  Quenta-Sol

Divino do Canivete,   Três Corações,  Volta Bala,   Cana do Reino

Cajuru do Cervo, Três Pontas, Vargem do Paga Bem, Venda Nova

Caracóis de Cima,  Nova Serrana,  Mata do Sino, Gambá de Baixo

Belo Horizonte

Cocais da Estrela

Seio de Abraão

Guarda dos Ferreiros

Senhora dos Remédios

Dores do Indaiá

Acaba Mundo.




Seção "Paulistânia" 

Hoje estou inaugurando uma nova seção, esta a 'Paulistânia', assim sempre que houver alguma razão para falar de São Paulo - seja ela boa, ruim, crônica, notícia, música, gente, fotografia e etc. - postarei aqui. A vontade de criá-la já existia e hoje 'vai ao ar' porque, para além de tudo de ruim que tem acontecido aqui, essa (ainda) é uma cidade que oferece imagens bonitas como essas abaixo (a qualidade das fotos não é boa: foram tiradas com celular). No sábado, fui com uma amiga ao Centro Cultural São Paulo para visitar uma exposição (claro) de fotografia e andando por lá (aliás, frequento o centro cultural desde que vim morar aqui, há 20 anos,  e sempre me encantei com a arquitetura aberta e iluminada de sua estrutura) me deparei com uma cena inusitada. Sob o teto (?) do prédio - que tem bem no centro, um jardim com árvores enormes - como num jardim suspenso, várias pessoas tomavam sol, conversavam e observavam a paisagem. Parecia cenário daqueles quadros do Renoir, no qual as pessoas se alegram às margens de lagos, mas era essa cidade aqui mesmo: tão violenta (conforme a mídia alardeia), tão contraditória e, nesse caso, tão (alegremente) surpreendente. Então, se você 'pensa' que São Paulo é 'só' violência, PCC e 25 de março, está enganado. 
Pode vir passear aqui sem medo, ok? rs

Nos jardins suspensos do CCSP as pessoas...






...apreciavam a tarde de sábado...














...e me faziam pensar que essa cidade é mesmo surpreendente.









segunda-feira, 12 de novembro de 2012

CRÔNICA DE UMA CIDADE ASSASSINADA





Ana Claudia Vargas


“(...) Como adverte a sabedoria antiga: inter arma silent leges (quando as armas falam, as leis silenciam) “ Zygmunt Bauman



Me esforço para não ser alarmista e para ter uma visão equilibrada da coisa, me esforço para pensar como as pessoas de bem que conheço, que não ficam o tempo todo vendo essas notícias ruins. “Isso faz mal para a gente”, elas dizem, e com toda razão.

Mas então eu não posso olhar para o jornal aqui do lado no qual um menino de cinco anos faz aquela pose tão típica das crianças que não estão muito acostumadas a serem fotografadas.

Na verdade, aquele menino ali, de cinco anos já não existia mais: ele foi assassinado na semana passada, aos 13 anos, lá na Brasilândia, mais um dos tantos bairros violentos daqui de São Paulo.

Ele é só mais um dos muitos que já foram assassinados nessa verdadeira onda de terror que tomou conta da cidade (e lá vou eu, me alarmando...), um menino negro e pobre que estava passando na frente de um bar bem na hora de mais um  tiroteio e o final foi esse.

 A mãe dele disse em entrevista para a repórter Carolina Leal, da Folha de São Paulo: “Uns coitados como o William, que não têm nome, não têm dinheiro, nunca ninguém vai descobrir quem matou”.

E quem vai questioná-la?

*****


186...
...até agora.

A contagem da semana passada dizia que o número de mortos estava em 186; mas  nesse final de semana morreram mais 31 (!!!) pessoas. 
Está difícil acompanhar a evolução desse placar sinistro.

E, enquanto isso, governador e secretário de segurança pública se reúnem e discutem e dizem que vão fazer isso e aquilo. Isso lá longe, atrás dos muros altos e bem protegidos do Palácio dos Bandeirantes, rodeados pela imprensa ávida de notícias bombásticas para alimentar a engrenagem incessante das informações que não pode parar (e não pode mesmo, isso não é uma crítica) pois para o bem ou para o mal a imprensa precisa estar atenta.

Mas eu queria é que aqueles senhores engravatados viessem andar nas ruas,  subissem os morros, conversassem com as pessoas e perguntassem para elas se esse modelo de segurança pública  - que há muito e muito tempo já deu sinais de exaustão – anda surtindo algum efeito.

Digo, esse modelo violento e corrupto.

E queria que eles se dispusessem a repensar esse ‘modelo’; a incluir em suas demandas burocráticas e cheias de palavreados difíceis (nem eles entendem, tenho certeza, basta ver as caras que fazem quando são entrevistados) um pouquinho de boa vontade, um olhar mais humanizado para o povo dessa cidade que mora nas periferias distantes como a Brasilândia; esses lugares que são verdadeiras panelas de pressão prestes a explodirem (ou antes, em franca explosão) porque tem sido insistentemente ignorados desde que essa cidade existe.

Esses lugares nos quais moram tantos Willians; meninos que vão crescendo excluídos em lugares feios e degradados.

Mas o que isso tem a ver com a tal ‘onda de violência’ ?

********

Muitos especialistas disso e daquilo têm sido chamados para falar sobre a dita 
onda de violência, que não é a primeira e, infelizmente, não será a última.

Hoje mesmo o programa Roda Viva da TV Cultura, abordará o tema.
(Para saber http://tvcultura.cmais.com.br/rodaviva)

Pois bem: a gente ‘sabe’ por ser humano e por ser parte de tudo isso que a civilização pós-moderna (para usar um termo polêmico) criou e cria e etc., que tudo isso aí é apenas a ponta do iceberg.

No fundo a gente sabe que as coisas precisam e deveriam mudar: São Paulo já não tem mais lugar para tanta gente, mas todos que estão aqui, deveriam poder  viver com um mínimo de dignidade. 

Antes, preciso dizer que não estou defendendo a tese de que viver amontoado ou ter uma vida restrita financeiramente é desculpa para  virar bandido.
Quanta gente há que vive nos piores lugares – sem condições minimamente dignas – e não se torna bandido?

Mas acontece que o ser humano é um bicho deveras complicado e a estrutura do iceberg do qual só estamos vendo agora uma pontinha é formada, sobretudo pelo descaso com que os moradores das tantas brasilândias do Brasil (e o nome do bairro não é bastante representativo?) têm sido tratados desde sempre.

É gente demais e gente jovem demais que vive espremida e que tem os mesmos desejos e aspirações de todos os jovens bem ou mal nascidos do planeta.
É gente jovem demais que tem sido devidamente amealhada pelo crime organizado. 

Gente vulnerável, cansada de ser tratada como criatura de segunda mão e de receber sempre, migalhas.  E do ‘outro lado’, numa das linhas de frente desse  ‘tratamento’ há aqueles que o (des)governo utiliza como massa de manobra para fingir que está agindo de modo eficiente no combate ao crime e a tudo mais que ele representa: os policiais militares. Esses que têm sido covardemente assassinados, esses que são quase sempre, originários das classes dos Williams da vida; esses que ganham salários de fome para arriscar suas vidas no ‘combate ao crime’. Eu também tenho pena deles.

Só sei que é muito (mas muito) revoltante saber que crianças morrem porque os ditos adultos investidos do poder para fazer alguma coisa, estão preocupados demais com os trâmites burocráticos – estaduais, federais, municipais – e tem posturas arrogantes e calcadas (sempre) na ideia de que é com violência que se combate a violência.

A cidade de São Paulo ou a grande São Paulo, para ser mais exata, já vem sendo assassinada diariamente desde sempre e continuará a ser até que aprenda a olhar para as periferias de um modo mais humanizado e menos truculento.

Pareço utópica? Pois eu serei, com louvor, enquanto souber que há crianças como o William sendo baleadas numa guerra que não é delas. 




OS DOIS BRASIS: O DA ALIENAÇÃO E O DA VIOLÊNCIA


                                                       Paulo R. Santos*

Assim como toda cidade não é única, mas duas: a diurna com sua rotina e pessoas características, e a noturna, com sua outra – e muitas vezes perigosa – rotina das sombras e dos medos, o Brasil nunca foi único nem uniforme. E nem poderia ser!

Gilberto Freire, sociólogo da primeira metade do século XX, identificou dois Brasis, herdados do período colonial, aos quais chamou de Casa-Grande e Senzala, nome do livro que publicou em 1933, e que inaugura uma nova fase de interpretação da história brasileira, sem usar as lentes europeias.


Gilberto Freyre (fonte Wikipédia)

Esse duplo Brasil ainda existe e persiste com força maior, apesar dos esforços em amenizar o sofrimento na Senzala. A elite dominante olha da porta ou da janela do casarão, relativamente seguro, luxuoso e pequeno, o enorme espaço por onde circula uma população diversificada nas crenças e nas cores, sobrevivendo como pode, vez por outra - ou quase sempre -, acuada pelas dificuldades e reprimida pela polícia, infeliz herdeira cultural do Capitão do mato e dos jagunços.

A alienação da elite, que é um tipo de violência, alimenta as dificuldades dos herdeiros das senzalas, que vivem em meio a outras formas de violência, tornando-se – muitas vezes – violentos por força das circunstâncias extremas. Uma elite prisioneira do egoísmo e da alienação. Uma população prisioneira da escassa educação e dos desejos não atendidos.

O resultado está bem visível nos números que nos atormentam e amedrontam. Cerca de 45 mil homicídios por ano. Bolsões de violências várias, onde parece não existirem inocentes. O principal agressor, o Estado, alimenta a violência que se estende e amplia para novas áreas, no mínimo por não cumprir com seus deveres constitucionais.


Estados paralelos


Exemplos claros são o Rio de Janeiro com um estado paralelo infiltrado no estado formal, e São Paulo, com um crime organizado capaz de estabelecer regras de convívio entre o legal e o ilegal. A violência de um lado produz a reação igualmente violenta do outro. E não nos iludamos pensando que a situação não se repete em outros estados menos midiáticos ou no coração do governo federal: Brasília. O Brasil sempre foi um país injusto!


Injustiças existem por aqui desde sempre. (Imagem: Wikipédia Free)


A reversão desse quadro melancólico exige coragem e vontade política dos governantes que cuidam (ou não) do erário, dos tributos, e da destinação dos recursos públicos. É preciso investir pesadamente em educação, saúde, cultura, segurança pública, lazer, transporte, trabalho e emprego, dentre outras coisas.

Não como um negócio, mas como o preço pela sobrevivência de uma sociedade que vive no medo e na incerteza, alimentos ricos em violência.


* Paulo Roberto Santos é professor e sociólogo, edita o blog  http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/ e é colaborador oficial deste blog.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Origem das Minas



Hoje, bairrismo pouco é bobagem: são dois textos só sobre Minas:
 no primeiro o colaborador oficial, Paulo Santos, nos oferece um aperitivo sobre a origem das Minas Gerais. 

A ideia da seção também é postar trechos de livros pouco divulgados como esse que o Paulo escolheu para hoje  - "Itapecerica" de autoria de Célia Lamounier.

Já o  segundo texto é uma resenha do livro Memorial do Desterro, do escritor Lazaro Barreto, uma obra que merece ser divulgada.

Boa Leitura!




                                      

Seção Geraes de Minas


Artigo - Como Minas Começou?

 

                                                     
             Paulo R. Santos

Aventureiros chamados de bandeirantes embrenharam-se pelo sertão no final do século XVII, em busca de ouro e pedras preciosas, abrindo assim as primeiras picadas e fazendo os primeiros contatos com os indígenas que eram alvo de captura para o trabalho escravo. Mas foi a Guerra dos Emboabas (1708-09), uma disputa entre paulistas e forasteiros, já igualmente interessados nas minas, que deu origem à Capitania de Minas Gerais, em 12.09.1720, com a capital em Vila Rica.

                                                        ***

(Trecho da Revista Instituto Histórico e Geográfico de MG – Vol. X-63) *

* Conforme citado no livro “Itapecerica”, organizado por CÉLIA LAMOUNIER DE ARAÚJO, de acordo com cópia digitalizada e disponibilizada na internet em 2007: 

“Os descobertos surgiam em todos os quadrantes do território, por isso mesmo
chamado das minas gerais; e ao lado deles os arraiais, mais ou menos densos, conforme a maior ou menor abundância de ouro e diamantes, a reclamar vigilância e assistência das autoridades.  A eficácia das medidas representadas pela criação das vilas dependia da existência das condições mínimas para o seu funcionamento, tais como a fixação de interesses econômicos, o elemento humano para as funções públicas e um nível de cultura suficiente para a formação do espírito comunitário com base nos princípios morais que informaram a
vida social do Brasil desde o início de sua colonização.

Em todo o século dezoito foram criadas somente catorze vilas:

1711 – Vila de Ribeirão do Carmo, hoje Mariana


Mariana - Foto: Danielli Vargas



























1711 – Vila Rica, hoje Ouro Preto
1711 – Vila Real do Sabará
1713 – Vila de São João d’El Rey


S.João Del-Rei - Pintura Rugendas*





1714 – Vila Nova da Rainha, hoje Caeté
1714 – Vila do Príncipe, hoje Serro
1715 – Vila Nova do Infante, hoje Pitangui
1718 – Vila de São José d’El Rey, hoje Tiradentes



Tiradentes - Foto: Cláudio Lopes*



















1730 – Vila das Minas do Fanado, hoje Minas Novas
1789 – Vila de São Bento do Tamanduá, hoje Itapecerica
1791 – Vila de Barbacena
1792 – Real Villa de Queluz, hoje Cons. Lafaiete
1798 – Vila da Campanha da Princesa da Beira, hoje Campanha
1798 – Vila de Paracatu do Príncipe, hoje Paracatu.”


      *  A imagens do desenho de Rugendas e a fotografia de Cláudio Lopes estão disponíveis no site (que vale muito a pena conhecer):      http://www.saojoaodelreitransparente.com.br/  






Resenha: Memorial do Desterro 


Ana Claudia Vargas

“A noção do tempo a escoar no próprio tempo, quando todos os dias começam no mesmo dia que nunca acaba” . (Lazaro Barreto)




Foto: Paulo Santos


Como seria contar a história de um lugar a partir das vivências das pessoas desse lugar? Como seria recriar o infindável mosaico de memórias e histórias que compõem a vida de todos nós?

Enquanto vivemos nosso dia-a-dia, não temos como pensar que estamos construindo histórias que depois poderão servir para formar o intrincado quebra cabeças de toda uma época.

Pois agora imagine um livro que conte a ‘história’ de um lugar a partir da vivência dos anônimos, daqueles que são a maioria, daqueles trabalham e constroem suas vidas anonimamente e que nunca terão seus nomes escritos nas pomposas letras dos livros que analisam o passado ‘de cima para baixo’.

Em tempos de celebridades instantâneas, do ficar famoso sem nenhum esforço ou mérito, de mediocridade ululante – parodiando o Nelson Rodrigues – encontrar um livro despretensioso (mas não superficial, muito pelo contrário) que narra a história de um lugar a partir das pessoas simples – seus afazeres, suas sabedorias, tristezas e alegrias -  é realmente um achado.

Um achado precioso: é assim esse livro “Memorial do Desterro”, do escritor mineiro Lázaro Barreto.

É dele que vou falar hoje na sessão Geraes de Minas porque a proposta aqui é também a de resenhar livros pouco conhecidos sobre a história das Minas Gerais.


O livro


O autor do prefácio Frei Bernardino Leers , de forma exata, escreve: “Muito livro de história é macro-história, virtudes e defeitos (...) de governantes, generais e nações (...). São como fotografias coloridas a distância, de panoramas grandiosos em que os detalhes desaparecem entre os bastidores gigantescos das montanhas e vales (...)”.
Pois nesse Memorial, o autor ilumina as reentrâncias dos vales e montanhas que contornam a região do Desterro – hoje o antigo arraial se chama Marilândia – e assim, revela as muitas histórias das famílias locais e de suas descendências; de lugarejos próximos que já mudaram de nome ou nem existem mais - mas  aqui, é bom lembrar, eles estão fervilhando de vida – das tantas pessoas que ‘coloriam’ esses lugarejos.

Os capítulos, que tem nomes como ‘Os Clãs e os Feudos”; “Uma Família”; “A Religiosidade Popular”; “A Geografia Humana” entre outros,  fazem com que nos sintamos íntimos das pessoas ali apresentadas. É como se entrássemos na casa de cada uma delas,  nas velhas fazendas nas quais moravam  e ouvíssemos  estórias contadas pelos tropeiros que paravam por ali de tempos em tempos, as rezas  e as serestas, e quase podemos ouvir também o rumorejo dos riachos e o barulho do vento nas árvores.

Mas o que torna este  livrinho deveras especial é o fato de o autor escrever contos carregados de poesia e lirismo para tornar o conteúdo mais leve e ainda mais interessante. 

Com nomes como “Dias, meses e anos”, “As partes verdes do sábado” ou “A natureza morta”; ele nos apresenta a história do Desterro por meio de personagens como o Zé Juca e o Tiãzinho, a Maria Euzébia e o João Gaiato; cada um deles talhado na sabedoria e na singeleza do povo do interior de Minas.

“Carradas de meses e dias, anos a perder de vista, vividos nos mínimos momentos da vigília que vai e volta à lucidez e ao sono, sempre ali, sentada no banco tosco de pedra, do lado de fora do casarão, à sombra das magnólias, a cabecear, a fitar nesgas da rua, a mascar o fumo de rolo temperado na cinza do borralho”. 
É assim que começa o conto “Dias, Meses e Anos”, numa arquitetura literária que me lembrou Autran Dourado no seu “Uma vida em segredo”.


Tem ainda a história do Zefolha, das irmãs Morais e de muitos outros personagens que o autor inventou para tornar ainda mais vívidas e quase reais, as histórias das muitas gentes que trabalharam, andaram pelos sertões, carpiram e plantaram, tiveram filhos e os batizaram, ergueram capelas e igrejas, enterraram parentes, fizeram folguedos e acreditaram em assombrações e capetas.


Assim  é este “Memorial do Desterro”, uma viagem no mínimo, diferente,  pela memória de um lugarejo que ainda existe e resiste  ali para os lados de Claudio e Divinópolis, um lugar como tantos outros dessa Minas Gerais e que, como tantos outros, tem particularidades que foram muito bem resgatadas por meio da pesquisa aprofundada e da escrita cuidadosa de Lazaro Barreto.


“No jogo histórico da evolução e do declínio do arraial do Desterro, o autor recupera o movimento humano da região pelos nomes de pessoas, famílias, localidades e fazendas, tropeiros, viajantes, (...) seresteiros, rezadeiras (...). O memorial do Desterro cria a lembrança viva de um lugar no sertão em que tanta gente nasceu, brincou, trabalhou, sofreu, casou, criou família (...)”:  pois faço minhas as palavras do autor do prefácio. 

Neste o Memorial do Desterro uma parte do sertão mineiro ainda vive e continuará a viver por muito, muito  tempo.

Livro:  Memorial do Desterro
Autor:  Lázaro Barreto
Editado pela Diocese de Divinópolis
158 páginas - 1995

O autor mantém esse blog http://lazarobarreto.blogspot.com.br/ no qual mostra outras facetas além dessa de escritor.