segunda-feira, 3 de dezembro de 2012


Não no Natal


Ana Claudia

...e eu fazia parte do grupo dos que acreditavam, eu era daquelas que – como uma boa criança da década de setenta – acreditava.

Junte-se à infância,  o fato de que foi um tempo vivido no interior mineiro, ou seja, com tudo aquilo que transborda em causos, lendas, sonhos e outras tantas histórias e que torna a vida mais fácil de ser vivida ( e eu lamento pelas crianças que não podem viver essa fase de forma despreocupada e lamento por quem não levará, pelo menos, algumas boas recordações dessa época).

O natal deveria ser um tempo à parte...


Quando dezembro apontava na folhinha o ar já estava há muito impregnado do cheiro das mangas – era (é) um cheiro adocicado –porque todos os quintais eram imensos e tinham muitos pés de manga (abóbora, três anos, espada, coquinho: nomes que mudam conforme a região como já percebi) - e as serras ao redor da cidade ficavam constantemente azuladas porque as chuvas não paravam.

E isso era maravilhoso: como eu gostava daquelas chuvaradas de dezembro que enlameavam as ruas, deixavam os paralelepípedos dos calçamentos escorregadios e faziam com  que o ar, sempre úmido, retivesse ainda mais o aroma das mangas e os outros cheiros dos tantos 'matos' que havia naqueles nossos quintais: hortelã, laranjas, mamoeiros, erva cidreira, dama da noite...

O natal era isso: o tempo das férias escolares, de poder brincar por esses quintais construindo nossas fantasias infantis sob a forma de circos, cabanas e  teatrinhos. Também havia as novenas natalinas nas casas uns dos outros,  o retorno dos que estavam longe, as muitas e pequenas alegrias que permaneceram tão incrustadas na memória que dezembro ainda é, para mim, o mês mais querido e desejado.

Natal pós-moderno

Na TV anunciam sem parar televisores de não sei quantas polegadas por um valor X, e celulares e câmeras e carros e não sei mais o quê.  Uma amiga me contou que viu a cena num grande supermercado: a família toda – pais e dois filhos – tentando enfiar uma TV gigante dentro de um carro popular. Ela não esperou pra ver se a coisa coube lá.

As crianças devem ter o direito de acreditar em anjos, pelo menos nessa época. 
















Consumismo sempre houve e sempre haverá: é a mola do mundo capitalista e não sou eu quem vai ficar escrevendo sobre o quanto isso é ruim para o planeta e o quanto isso torna os seres humanos fúteis, mesquinhos ou rasos.

Eu também esperava ansiosa pelos presentes dessa época natalina, às vezes havia, às vezes, não; e isso era bem frustrante confesso, mas o fato é que os natais da minha infância eram feitos de outras coisas e essas sim, é que eram  importantes: estar perto da família, andar pelos quintais (sempre e sempre), brincar muito, rir bastante, a vida era de uma riqueza enorme (com ou sem presentes).

Nessa esquisita crônica ‘de natal’ (sim, era essa a minha intenção) o que eu queria, na verdade, é saber se as crianças de hoje estão conseguindo viver isso nas suas infâncias. Saber se elas estão conseguindo acreditar, se elas estão podendo brincar nos seus mundos fantasiosos, mesmo com essa avalanche de notícias ruins que não cessam, mesmo com todas essas propagandas gritadas (porque eles agora gritam? Os locutores dessas propagandas?! Essa moda horrorosa foi lançada pela Casas Bahia, acho) para que se comprem TVs enormes que talvez nem vão caber nos apartamentos minúsculos de hoje.



 Não há nada de errado em se comprar coisas, mas quando TUDO vira somente isso, penso que sim, há algo de errado. Ora, mas não é justamente no natal que se deve comprar e trocar presentes? Sim, que se comprem coisas e que as crianças ganhem presentes porque ficarão felizes, mas que o natal não se torne somente isso.

Como assim? O natal há muito já é somente isso!, diz a minha voz racional.

Então, peço que vocês perdoem meu anacronismo e total ausência de senso de realidade real (estamos em dezembro de 2012 Ana Claudia!) só sei que se eu pudesse colocaria todas as crianças num lugar perfumado e elas ficariam rodeadas por grandes árvores que refrescariam o ar e o céu seria azul bem azul e nada disso que nos atormenta, a nós adultos, chegaria até elas, pelo menos não no natal.

E elas ganhariam presentes mas haveriam de se lembrar de muito mais coisas, além disso, em seus futuros.




Geraes de Minas



          Pequizeiros, ipês e o cerrado

                                                                  Paulo R. Santos


Ipê amarelo: um dos símbolos de Minas.



O que seria de Minas sem os pequizeiros, os ipês (amarelos, brancos, rosas, roxos … desaparecendo lentamente), o barbatimão já quase inexistente; sem os cupinzeiros, as árvores e sementes de cascas grossas para poderem resistir ao fogo anual de todo julho-agosto?

O que seria de Minas sem esse jeito de savana ?

Sim! Minas não é só barroco e 'uai'. Minas não é só Drummond, Guimarães Rosa e Ziraldo. Há anônimos e anônimas fazendo coisas de maravilhar aí pelas Gerais. Minas dos muros de pedras, das valas que separaram fazendas e sesmarias em séculos passados, mas não tanto. A culinária africana tão presente, e aquele jeito de falar cantado (dizem os 'forasteiros'), com um sotaque diferente, como tantos sotaques diferentes por esse imenso Brasil de norte a sul, de leste a oeste.

O diminutivo em inho e inha, herança do jeito africano de falar. Esse diminutivo de carinho que tomou o lugar do ita, dos tempos em que o Brasil pertenceu à Espanha, que já dominou Portugal em tempos idos, levando junto as colônias.

Minas não é composta só de minas, lavras e de trilhas, de pousadas e de casario colonial, de heranças de  um passado que – ainda e sempre – , insiste em ser tão presente! Reencarnação existe? Se sim, então estamos todos de volta!

Minas tem a locomotiva industrial como vizinha ao sul. Tem a chamada 'cidade maravilhosa' a leste e uma parcela de si, a oeste. Sim! Pois, Goiás foi se formando com o fim do chamado 'ciclo do ouro' e muitos mineiros foram se transferindo pra lá. Ao norte, a Bahia de todos os santos e orixás ! Talvez nosso ‘parente’ mais próximo.

As Minas são muitas e são extremas. Numa pequena cidade interiorana mais afastada pode-se ouvir um linguajar de cem anos atrás, enquanto na grande Belo Horizonte encontramos de tudo um pouco; do melhor ao pior, como em toda capital. Há violência e morte e também muita vida, exuberante, e oportunidades várias.

Das muitas Minas, cada mineiro traz uma em particular no coração, apesar de amar a todas.  Os erros e acertos, se existirem, dos políticos que por aqui fazem e acontecem não chegam a perturbar uma certa lentidão natural das Gerais e dos geralistas nativos. Parece que o mineiro fareja que nem toda novidade é boa!

Minas ainda vai durar muito tempo, mesmo vendo seu cerrado sendo devastado, sua cultura sendo mutilada; ilhas de fauna e flora nativas em meio aos mares de eucaliptos. Um povo que não tem pressa em sair de sua região, e quando o faz é por necessidade profissional ou familiar. Principalmente os mais jovens se veem frequentemente nessa contingência, diante das necessidades criadas pelo neocanibalismo, digo, neoliberalismo, já moribundo … ainda bem!

Paulo Santos é sociólogo e edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/


Meu País




Qualidade de vida: codinome do desenvolvimento econômico

Marcus Eduardo de Oliveira 


 "A ideia de melhorar qualitativamente uma economia buscando no curto prazo crescimento econômico, só faz sentido se esse ganho não ficar restrito aos aspectos econômicos; ou seja, é necessário que se estenda as benesses do crescimento para o lado social, priorizando, para tanto, a adoção de uma agenda social com significativos compromissos que fomentem a melhoria da “qualidade de vida”, codinome do desenvolvimento econômico.



  


Dito isso, é oportuno apontar que na esteira desse crescimento econômico é de fundamental importância atingir alguns pontos: 

1. Eliminar a pobreza absoluta; 
2. Melhorar a qualidade do capital humano; 
3. Destruir os mecanismos que permitem concentrar a renda; 
4. Romper sistematicamente com o círculo vicioso da pobreza (baixa escolaridade, subemprego, baixo nível de investimento). 

Além disso, é indispensável universalizar o acesso aos serviços sociais, em especial à educação e ao sistema de saúde. O nome disso tudo, é importante repetir, é “qualidade de vida”; nos dizeres dos economistas: desenvolvimento econômico.


Conquanto, há caminhos a serem trilhados para se chegar lá. Um deles aponta para a necessidade de saber algo imperioso: crescer economicamente reduzindo, em paralelo, os graves níveis de desigualdade social é uma condição dada, no curto prazo, pela disponibilidade física dos recursos; até mesmo porque “crescer” significa “destruir”. 


Em outras palavras, não há crescimento econômico se não houver utilização dos recursos. Entretanto, não há recursos em quantidade ilimitada para um crescimento sem margens.


Dessa forma, é interessante ter em conta que há uma relação sintomática (de causa e efeito) entre a economia e o meio ambiente. Há um considerável grau de dependência por parte da economia em relação à natureza. Nunca é demasiado reiterar que toda e qualquer produção advém de recursos extraídos da natureza. Acontece que no afã em se buscar a qualquer custo as “consagradas” e elevadas taxas de crescimento da economia, pois é justamente assim, de forma errônea, que a economia tradicional identifica progresso material interpretando-o como sinônimo de riqueza, pouca atenção e visibilidade tem sido dadas aos aspectos físicos, a existência de limites naturais. 


O fato, claro e certeiro, nesse caso, é que nossa economia só atingirá real eficiência pelos caminhos que a levam a uma melhoria da qualidade de vida de todos quando, finalmente, promover alguns aspectos essenciais: universalizar a democratização social, gerar emprego com renda suficiente e aumentar o tempo médio de estudo da população que hoje não passa de oito anos. 


Sobre esse último ponto, caso queiramos de fato consolidar nossa posição como um país moderno, não podemos aceitar que apenas 15% da população tenha mais de 12 anos de estudos. 




Não adianta vendermos aviões ao mercado externo se ainda nem mesmo sabemos ao certo como tratar os 43 milhões de toneladas de lixo que são produzidos nesse país ao ano.

Uma nação próspera, capaz de atenuar seus vários desequilíbrios socioeconômicos, principalmente do ponto de vista das conquistas sociais (baixar a taxa de mortalidade infantil, universalização do ensino, renda per capita compatível, mercado de trabalho eficaz e meio ambiente respeitado) se faz com a universalização das condições adequadas para a promoção dessas melhorias. 


Para tanto, urge promover um ensino de qualidade com desenvolvimento de pesquisas em áreas cruciais do conhecimento, priorizando a ciência e a tecnologia, gerando bons empregos que exerçam, como contrapartida, uma justa distribuição de renda. Sem a generalização dessas premissas, nada avança, exceto os índices de miséria e pobreza crônicas.


Em outras palavras, não adianta, por exemplo, ocuparmos a sexta posição no ranking mundial de produção de veículos (em 2010, foram produzidos 3,6 milhões de unidades) se não melhorarmos as vias e as rodovias para essa circulação (temos mais de 1,7 milhão de km de malha rodoviária, mas apenas 170 mil km estão pavimentados e há uma “pesada” relação de seis habitantes por carro). 





Em outras palavras, não adianta, por exemplo, ocuparmos a sexta posição no ranking mundial de produção de veículos (em 2010, foram produzidos 3,6 milhões de unidades) se não melhorarmos as vias e as rodovias para essa circulação (temos mais de 1,7 milhão de km de malha rodoviária, mas apenas 170 mil km estão pavimentados e há uma “pesada” relação de seis habitantes por carro). 



De nada adianta sermos o quarto país que mais vende automóveis no mundo (3,5 milhões, somente em 2010); o maior produtor de aço da América Latina; de sermos detentor da 3° maior frota aérea do mundo (mais de 11 mil aeronaves e 32 mil pilotos em atividade) se 1/3 (absurdamente mais de 30%) de nossas residências ainda não têm acesso a encanamento (esgoto) e muitos desses sem acesso à água potável. 

Não adianta prosperar de um lado, se, do outro, de cada mil crianças nascidas, 14 morrem antes de completar seu primeiro ano de vida. 




Não adianta vendermos aviões ao mercado externo se ainda nem mesmo sabemos ao certo como tratar os 43 milhões de toneladas de lixo que são produzidos nesse país ao ano. Em que pese os avanços alcançados nos últimos anos do lado social – e foram muitos -, principalmente os que respondem pela expectativa de vida – hoje é de 75 anos ante os 31 anos registrados em 1900 – acrescido do aumento na renda per capita e na possibilidade de se construir um mercado de consumo de massa amplo, o fato inexorável é que se faz necessário promover de forma rápida taxas de crescimento econômico que se convertam em condições de dignidade, em respeito à vida daqueles que mais sofrem. Sem isso, a qualidade de vida se distancia cada vez mais.


Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor de economia da FAC-FITO e do UNIFIEO (São Paulo). Especialista em Política Internacional pela (FESP) e mestre (USP). prof.marcuseduardo@bol.com.br










Um comentário:

Anônimo disse...

Neste país de tantos desacertos, tantas contradições, e de pouquíssima boa vontade é, infelizmente, um caminho reto e certeiro para a descrença neste "povo brasileiro". É uma questão cultural,parece-me - sem remédio.
Mesmo porque a educação, que é o que poderia salvar esta nossa terra, está cada dia pior. Então, esperemos por um milagre... Enquanto isso, que o Natal seja feliz!

Embora isso e aquilo (rs), gostei muito da crônica (Não no Natal). Um belo texto.

Anamaria