Ana Claudia Vargas
“Uma fotografia não vale mil palavras, mas vale mil perguntas.”
Allan Sekula
Revelar um país por meio de imagens fotográficas feitas desde a
década de 1930 até os dias atuais: esse é o mote da exposição “Observadores”
que fica em cartaz no Sesi-SP até o dia 25 de novembro.
Dizer que é uma viagem pela Grã-Bretanha é um clichê, então eu
prefiro dizer que é uma viagem ‘por dentro’ da Grã-Bretanha, por paisagens
pouco mostradas, pessoas pouco lembradas, por variadas situações cotidianas que
estão longe (felizmente) do que é mostrado em propagandas turísticas.
Shirley Baker - Manchester - 1965* |
É partindo dessa visão pouco comum, portanto, que vamos conhecendo
a Inglaterra através do rosto sofrido e resignado de pessoas que tiveram suas
casas destruídas durante os bombardeios ocorridos entre 1939 e 1945, dos jovens
que moravam no interior do país durante
as décadas de 1960 e 1970 e deixaram eternizadas expressões de alegria ou certa
indiferença e alguma rebeldia.
Ida Kar - Um inglês 'típico'.* |
As cinco crianças negras sentadas na calçada (serão da mesma
família?) numa fotografia feita por Shirley
Baker, em 1965, nos fazem lembrar aquele tempo da infância que todos nós
vivemos: um tempo de despreocupada alegria (embora a carinha enfezada da caçula
também nos lembre que nem tudo na infância são flores).
Humphrey Spencer - Washing Day* |
Os lugares retratados na maioria das fotos não é nenhum desses que
vemos quando se mostra a Inglaterra vitoriosa, pujante e/ou coberta daquele
falso glamour dos lugares modernos ou muito iluminados.
Os fotógrafos da mostra – Paul
Nash; Raymond Morre, Ian Berry, George Rodger, Nigel Henderson, entre muitos outros – preocuparam-se em mostrar imagens
que suscitam perguntas (como bem lembra a citação do começo desse texto) e não
que ofereçam respostas. É certo que eles parecem querer provocar a reflexão e o
questionamento.
Derek Ridgers - Babs Soho - 1987* |
Sobre isso é melhor citar um trecho do folheto
para definir com mais precisão o tipo de fotografia presente na mostra que é
chamada com justiça de “Uma antropologia de nós mesmos”: Vamos lá:
“ Foi somente na década de 1930(...) que a
idéia de uma ‘fotografia moderna’ ganhou corpo. (...)Em um período de profunda
divisão social e ideológica, com a depressão econômica e conflitos políticos
internacionais levando o mundo mais uma vez em direção à guerra, a atenção
estava voltada para as pessoas e para a
maneira como elas viviam. Revistas e jornais criaram uma nova demanda para as
fotos e para as histórias ilustradas. Artistas, escritores e pensadores,
particularmente os de esquerda, abraçaram temas sociais e um novo realismo,
numa tentativa de compreender e retratar a sociedade britânica com nova
objetividade e imparcialidade científica: para se engajarem em uma ‘antropologia de nós mesmos’. Um debate entre
o Realismo e o Surrealismo atravessou a década de 1930. Inúmeros fotógrafos, voltando suas
lentes para sujeitos sociais
desconhecidos, percebiam a realidade como surreal, estranha. Como muitos
descobriram, a verdade podia ser mais estranha que a ficção”.
Pois é partindo dessa premissa que estes
fotógrafos adentram os subúrbios londrinos nos quais moram em humildes sobrados
geminados, operários que possuem numerosos filhos; e passeiam por paisagens do
interior do país mostrando piqueniques coletivos nos quais se junta uma
diversidade de pessoas e culturas que parecem simbolizar - ainda e apesar de
tudo – a esperança de que povos de diferentes raças e culturas vivam em paz.
Paul Trevor - Liverpool * |
Proletários ou elegantes, simplórios ou
sofisticados; com aquelas caras tipicamente inglesas de velhos senhores e
senhoras que devem sim, tomar chá às cinco da tarde (ou não); jovens suburbanos
com posturas rebeldes vestindo jaquetas de couro e com os
cabelos raspados (essa, a imagem mais corriqueira quando se pensa em ‘juventude
britânica’) ou moças de rostos
sonhadores e ares singelos – fotografadas por Daniel Meadows - destoando
do que se poderia esperar de mulheres inglesas do começo da década de 1970:
tudo isso compõe um rico mosaico de imagens que nos deixam com o desejo de
conhecer estes lugares e principalmente, aquelas pessoas, embora saibamos que hoje tudo está
mudado (pessoas, lugares e os tempos nos quais se situavam).
Daniel Meadows - Jovens ingleses - 1974* |
Destruindo mitos pré-fabricados e talvez,
construindo outros; revelando paisagens sociais e humanas de um país para além
do que nos acostumamos a ver quase sempre, a mostra “Observadores’ oferece a
possibilidade de conhecer a Grã-Bretanha caminhando por trilhas e estradas
pouco frequentadas, adentrando desde salas de casas pobres até as famigeradas
salas de espera de
órgãos públicos – essas são deprimentes em qualquer lugar, como se descobre - passando por escritórios ou quintais e clubes campestres nos quais os
britânicos perdem a pose e se agarram felizes, conformados ou abertamente
despudorados, à vida: é assim que
essa mostra cumpre com louvor o seu (ou um dos) papel de exibir uma “antropologia
fotográfica” da Grã-Bretanha.
Para terminar é importante dizer que a mostra “Observadores”
faz parte de um projeto do professor de artes, João Kulcsár, e que tudo começou na década de 1990, quando
ele foi bolsista do British Council .
A mostra é também apenas parte de outro projeto, mais amplo, que utiliza a
fotografia como forma de criar nos jovens (e professores) a capacidade de
analisar criticamente a sociedade.
* Fonte de todas as fotos: Alfabetização Visual
Para saber mais sobre a mostra e sobre esse
projeto, visite:
Seção Geraes de Minas
Hoje a seção Geraes de Minas apresenta um belo poema do novo colaborador (espero) oficial, Lázaro Barreto, que descreve no poema abaixo os muitos e poéticos nomes de algumas cidades, lugarejos, povoados, enfim, dos tantos cantos desse imenso 'país' chamado Minas Gerais. Aproveito para agradecer - publicamente - ao Lázaro e dizer que suas contribuições serão sempre muito bem vindas.
Toponímia dos Campos e das Minas Gerais
Lázaro Barreto.
Cabeceira do Buriti
Brejo dos Mártires
Córrego dos Nobres
Água Emendada
Chapada das Perdizes
Onça de Pitangui
Sapucaí-Mirim
Abre Campos, Passa
Vinte Velho, Barra da Cega, Borda Mata
Campo do Meio, Catas Altas da Noruega, Pinta-Pau, Rio Espera
Cava de Fora,
Curralinho de Dentro, Soca-Pó, Sombra da Tarde
Juiz de Fora, Mãe dos Homens, Penha do Capim, Fecho do Funil
São Sebastião das Três Orelhas, Quem-Quem, Palmeiras de Fora
Santa Rita de Pacas, Quebra Viola,
Pedra Menina, Quenta-Sol
Divino do Canivete, Três
Corações, Volta Bala, Cana
do Reino
Cajuru do Cervo, Três Pontas, Vargem do Paga Bem, Venda Nova
Caracóis de Cima, Nova Serrana, Mata do Sino, Gambá de Baixo
Belo Horizonte
Cocais da Estrela
Seio de Abraão
Guarda dos Ferreiros
Senhora dos Remédios
Dores do Indaiá
Acaba Mundo.
Seção "Paulistânia"
Hoje estou inaugurando uma nova seção, esta a 'Paulistânia', assim sempre que houver alguma razão para falar de São Paulo - seja ela boa, ruim, crônica, notícia, música, gente, fotografia e etc. - postarei aqui. A vontade de criá-la já existia e hoje 'vai ao ar' porque, para além de tudo de ruim que tem acontecido aqui, essa (ainda) é uma cidade que oferece imagens bonitas como essas abaixo (a qualidade das fotos não é boa: foram tiradas com celular). No sábado, fui com uma amiga ao Centro Cultural São Paulo para visitar uma exposição (claro) de fotografia e andando por lá (aliás, frequento o centro cultural desde que vim morar aqui, há 20 anos, e sempre me encantei com a arquitetura aberta e iluminada de sua estrutura) me deparei com uma cena inusitada. Sob o teto (?) do prédio - que tem bem no centro, um jardim com árvores enormes - como num jardim suspenso, várias pessoas tomavam sol, conversavam e observavam a paisagem. Parecia cenário daqueles quadros do Renoir, no qual as pessoas se alegram às margens de lagos, mas era essa cidade aqui mesmo: tão violenta (conforme a mídia alardeia), tão contraditória e, nesse caso, tão (alegremente) surpreendente. Então, se você 'pensa' que São Paulo é 'só' violência, PCC e 25 de março, está enganado.
Pode vir passear aqui sem medo, ok? rs
Nos jardins suspensos do CCSP as pessoas... |
...apreciavam a tarde de sábado... |
...e me faziam pensar que essa cidade é mesmo surpreendente. |
3 comentários:
Lindas fotos, e comentários que nos lembram coisas importantes de nossa cidade. Obrigada, querida.
São Paulo é uma cidade muito interessante: encanta ao mesmo tempo que amedronta. Há tanta coisa bonita pra se ver, pra ser admirada, mas...
Talvez a gente não devesse se deixar intimidar tanto e procurar enxergar mais o que é belo do que as coisas ruins (essas existem em todas as outras cidades do mundo, um pouco mais, um pouco menos). Esta sua matéria nos "desperta" para esse outro modo de ver.
Muito interessante também o poema de Lázaro Barreto - Dores do Indaiá é, quase, o ponto final, o fim da linha - ops, do poema!
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