Hoje, bairrismo pouco é bobagem: são dois textos só sobre Minas:
no primeiro o colaborador oficial, Paulo Santos, nos oferece um aperitivo sobre a origem das Minas Gerais.
A ideia da seção também é postar trechos de livros pouco divulgados como esse que o Paulo escolheu para hoje - "Itapecerica" de autoria de Célia Lamounier.
Já o segundo texto é uma resenha do livro Memorial do Desterro, do escritor Lazaro Barreto, uma obra que merece ser divulgada.
Boa Leitura!
Seção Geraes de Minas
Artigo - Como Minas Começou?
Paulo
R. Santos
Aventureiros chamados de bandeirantes embrenharam-se pelo
sertão no final do século XVII, em busca de ouro e pedras preciosas, abrindo
assim as primeiras picadas e fazendo os primeiros contatos com os indígenas que
eram alvo de captura para o trabalho escravo. Mas foi a Guerra dos Emboabas
(1708-09), uma disputa entre paulistas e forasteiros, já igualmente
interessados nas minas, que deu origem à Capitania de Minas Gerais, em
12.09.1720, com a capital em Vila Rica.
***
(Trecho da Revista Instituto Histórico e Geográfico de MG –
Vol. X-63) *
* Conforme citado no livro “Itapecerica”, organizado por
CÉLIA LAMOUNIER DE ARAÚJO, de acordo com cópia digitalizada e disponibilizada
na internet em 2007:
“Os descobertos surgiam em todos os quadrantes do
território, por isso mesmo
chamado das minas gerais; e ao lado deles os arraiais, mais
ou menos densos, conforme a maior ou menor abundância de ouro e diamantes, a reclamar
vigilância e assistência das autoridades. A eficácia das medidas representadas pela criação das vilas
dependia da existência das condições mínimas para o seu funcionamento, tais como a
fixação de interesses econômicos, o elemento humano para as funções públicas e um
nível de cultura suficiente para a formação do espírito comunitário com base nos
princípios morais que informaram a
vida social do Brasil desde o início de sua colonização.
Em todo o século dezoito foram criadas somente catorze
vilas:
1711 – Vila de Ribeirão do Carmo, hoje Mariana
Mariana - Foto: Danielli Vargas |
1711 – Vila Rica, hoje Ouro Preto
1711 – Vila Real do Sabará
1713 – Vila de São João d’El Rey
S.João Del-Rei - Pintura Rugendas* |
1714 – Vila Nova da Rainha, hoje Caeté
1714 – Vila do Príncipe, hoje Serro
1715 – Vila Nova do Infante, hoje Pitangui
1718 – Vila de São José d’El Rey, hoje Tiradentes
Tiradentes - Foto: Cláudio Lopes* |
1730 – Vila das Minas do Fanado, hoje Minas Novas
1789 – Vila de São Bento do Tamanduá, hoje Itapecerica
1791 – Vila de Barbacena
1792 – Real Villa de Queluz, hoje Cons. Lafaiete
1798 – Vila da Campanha da Princesa da Beira, hoje Campanha
1798 – Vila de Paracatu do Príncipe, hoje Paracatu.”
* A imagens do desenho de Rugendas e a fotografia de Cláudio Lopes estão disponíveis no site (que vale muito a pena conhecer): http://www.saojoaodelreitransparente.com.br/
Resenha: Memorial do Desterro
Ana Claudia Vargas
“A noção do tempo a escoar no próprio tempo, quando todos os
dias começam no mesmo dia que nunca acaba” . (Lazaro Barreto)
Foto: Paulo Santos |
Como seria contar a história de um lugar a partir das
vivências das pessoas desse lugar? Como seria recriar o infindável mosaico de
memórias e histórias que compõem a vida de todos nós?
Enquanto vivemos nosso dia-a-dia, não temos como pensar que
estamos construindo histórias que depois poderão servir para formar o
intrincado quebra cabeças de toda uma época.
Pois agora imagine um livro que conte a ‘história’ de um
lugar a partir da vivência dos anônimos, daqueles que são a maioria, daqueles
trabalham e constroem suas vidas anonimamente e que nunca terão seus nomes
escritos nas pomposas letras dos livros que analisam o passado ‘de cima para
baixo’.
Em tempos de celebridades instantâneas, do ficar famoso sem
nenhum esforço ou mérito, de mediocridade ululante – parodiando o Nelson
Rodrigues – encontrar um livro despretensioso (mas não superficial, muito pelo
contrário) que narra a história de um lugar a partir das pessoas simples – seus
afazeres, suas sabedorias, tristezas e alegrias - é realmente um achado.
Um achado precioso: é assim esse livro “Memorial do
Desterro”, do escritor mineiro Lázaro Barreto.
É dele que vou falar hoje na sessão Geraes de Minas porque a
proposta aqui é também a de resenhar livros pouco conhecidos sobre a história
das Minas Gerais.
O livro
O autor do prefácio Frei Bernardino Leers , de forma exata,
escreve: “Muito livro de história é macro-história, virtudes e defeitos (...)
de governantes, generais e nações (...). São como fotografias coloridas a
distância, de panoramas grandiosos em que os detalhes desaparecem entre os
bastidores gigantescos das montanhas e vales (...)”.
Pois nesse Memorial, o autor ilumina as reentrâncias dos
vales e montanhas que contornam a região do Desterro – hoje o antigo arraial se
chama Marilândia – e assim, revela as muitas histórias das famílias locais e de suas descendências; de lugarejos próximos que
já mudaram de nome ou nem existem mais - mas aqui, é bom lembrar, eles estão fervilhando de vida – das tantas
pessoas que ‘coloriam’ esses lugarejos.
Os capítulos, que tem nomes como ‘Os Clãs e os Feudos”; “Uma
Família”; “A Religiosidade Popular”; “A Geografia Humana” entre outros, fazem com que nos sintamos íntimos das
pessoas ali apresentadas. É como se entrássemos na casa de cada uma delas, nas velhas fazendas nas quais moravam e ouvíssemos estórias contadas pelos tropeiros que paravam
por ali de tempos em tempos, as rezas e
as serestas, e quase podemos ouvir também o rumorejo dos riachos e o barulho do
vento nas árvores.
Mas o que torna este livrinho deveras especial é o fato de o autor escrever
contos carregados de poesia e lirismo para tornar o conteúdo mais leve e ainda
mais interessante.
Com nomes como “Dias, meses e anos”, “As partes verdes do
sábado” ou “A natureza morta”; ele nos apresenta a história do Desterro por
meio de personagens como o Zé Juca e o Tiãzinho, a Maria Euzébia e o João
Gaiato; cada um deles talhado na sabedoria e na singeleza do povo do interior
de Minas.
“Carradas de meses e dias, anos a perder de vista, vividos
nos mínimos momentos da vigília que vai e volta à lucidez e ao sono, sempre
ali, sentada no banco tosco de pedra, do lado de fora do casarão, à sombra das
magnólias, a cabecear, a fitar nesgas da rua, a mascar o fumo de rolo temperado
na cinza do borralho”.
É assim que começa o conto “Dias, Meses e Anos”, numa
arquitetura literária que me lembrou Autran Dourado no seu “Uma vida em segredo”.
Tem ainda a história do Zefolha, das irmãs Morais e de muitos
outros personagens que o autor inventou para tornar ainda mais vívidas e quase
reais, as histórias das muitas gentes que trabalharam, andaram pelos sertões,
carpiram e plantaram, tiveram filhos e os batizaram, ergueram capelas e
igrejas, enterraram parentes, fizeram folguedos e acreditaram em assombrações e
capetas.
Assim é este “Memorial
do Desterro”, uma viagem no mínimo, diferente, pela memória de um lugarejo que ainda existe e
resiste ali para os lados de Claudio e
Divinópolis, um lugar como tantos outros dessa Minas Gerais e que, como tantos
outros, tem particularidades que foram
muito bem resgatadas por meio da pesquisa aprofundada e da escrita cuidadosa de
Lazaro Barreto.
“No jogo histórico da evolução e do declínio do arraial do
Desterro, o autor recupera o movimento humano da região pelos nomes de pessoas,
famílias, localidades e fazendas, tropeiros, viajantes, (...) seresteiros,
rezadeiras (...). O memorial do Desterro cria a lembrança viva de um lugar no
sertão em que tanta gente nasceu, brincou, trabalhou, sofreu, casou, criou
família (...)”: pois faço minhas as
palavras do autor do prefácio.
Neste o Memorial do Desterro uma parte do sertão
mineiro ainda vive e continuará a viver por muito, muito tempo.
Livro: Memorial do
Desterro
Autor: Lázaro Barreto
Editado pela Diocese de Divinópolis
158 páginas - 1995
O autor mantém esse blog http://lazarobarreto.blogspot.com.br/ no qual mostra outras facetas além dessa de escritor.
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