Mulheres no front: devemos comemorar?
Ana Vargas
Uma notícia passou meio despercebida em meio à avalanche de
outras mais ou menos bizarras ou trágicas com as quais fomos agraciados nesses
últimos dias: as mulheres norte-americanas serão – mais precisamente, a partir
de 2016 - aceitas como combatentes nas
guerras.
Até agora mulheres só participavam de tais ‘eventos’ como
médicas, enfermeiras ou em posições semelhantes.
Pois essa notícia, aparentemente banal, me fez pensar (sim e
isso é outro clichê) o quanto a humanidade parece caminhar para a total
decadência.
Eu nunca fui do tipo que pensa que mulheres são seres
frágeis que devem ficar à margem das questões difíceis que fazem – queiramos ou
não – parte da vida e a existência de guerras, é claro, uma delas.
Eu também nunca acreditei na bondade humana (nunca mesmo, nem na infância): a
maldade sim, está aí presente no cotidiano sob as mais variadas formas (desde a
falsidade de algumas formas de relacionamentos sociais à hipocrisia com a qual
os governos nos brindam, diariamente, em suas tentativas de mostrar que estão
no controle); já a bondade carece de ser construída tijolo a tijolo e isso dá
sim, um trabalho danado.
Por isso, poucos se dispõem a erguê-la, melhor fingir,
melhor falsear... certo?
Pois é, e isso é para chegar ao seguinte: as mulheres há
muito deixaram de ser aquelas criaturas
frágeis e delicadas, aliás, acho que nunca foram isso; a história se encarregou de vesti-las
com essa aparência fragilizada porque assim seria fácil lidar com a (complexa)
natureza feminina.
Imagine minha dificuldade em escrever sobre isso numa época
como essa em que vivemos, na qual
algumas mulheres – assim como os homens e nem vou falar dos homossexuais
e das minorias – vivem de um jeito tão
supostamente modernoso (e isso não é uma crítica) que nenhuma ideologia parece
ser suficiente para defini-las.
Tá complicado entender isso, não é? Melhor ir por outro
caminho. O que quero dizer é: as mulheres queimaram sutiãs para dizer que eram
donas do próprio corpo, lutaram pelo direito à pílula e ao aborto, lutaram,
enfim, pelo fim dos tantos e variados preconceitos e etc. Nós todos que já
passamos da adolescência, sabemos disso. A gente também sabe que antes dessas
lutas a vida das mulheres era uma porcaria (para usar uma palavra leve) no que
se refere aos direitos civis.
Mas aí, algumas mais rebeldes se dispuseram a empreender
tais lutas e as coisas foram (lentamente) mudando. Nesse caminho longo, árduo e
pedregoso no qual a civilização vai construindo seus acertos e erros, as
mulheres podem se orgulhar de muitas conquistas, mas é certo que muitas dessas conquistas,
acarretaram também problemas que estão aí, carecendo de novos posicionamentos.
O eterno padrão
Eu, por exemplo, embora me esforce para não ser moralista,
não acho nada bom ver o quanto, em nome de uma falsa liberdade, há mulheres às
pencas (e essa é a palavra certa) se vendendo nos tantos comerciais disso e
daquilo, nas tais revistas masculinas e por aí afora; assim como há outras se
refugiando na religião ou nas literaturas de auto-ajuda ou naquele tipo de revista
modelo ‘Nova’ que ‘ensina’ como uma mulher deve ser para atrair um homem (pois
é: tanta luta pra gente acabar nisso, tentando caber num padrão X... Isso é
duro de engolir).
É nesse cenário estilhaçado das tantas lutas e manifestações
e isso e aquilo que não vingaram ou saíram pela culatra, que estão mulheres e
homens tentando (ainda e sempre) ‘se encontrar’ (como lá no final dos anos 1960
e desde sempre) e é no meio disso tudo que os (des)governos vão tomando as
atitudes que consideram adequadas para as necessidades de seus governados.
Eu que cresci na
década de 1970 com aquele ranço hippie de amor e paz, fico pensando o quanto
tudo está desvirtuado e diluído (como diria o Bauman; sempre ele): no fundo e
no final de tudo há somente a velha e atemporal certeza de que se todos nós –
humanos, simplesmente criaturas humanas, independentemente do tal gênero-fôssemos,
essencialmente bons; esse não seria um mundo que considera normal o envio de
mulheres para o front.
Mas quem falou em normalidade, não é mesmo?
Para terminar: mulheres indo para o
front ou nuas em capas de revista; mulheres trabalhando em jornadas triplas
para sustentar esse modelo capitalista sanguinário que é como um cadáver
apodrecendo na sala de visitas; mulheres alienadas e achando tudo muito
‘muderno’ ou achando que é melhor isso do que alguma reflexão; diante disso só
me resta utilizar como fechamento do texto essa frase do Nietzsche:
“Segue as tuas melhores ou piores
inclinações e, antes de mais nada, encaminha-te para a tua perdição; em ambos
os casos favorecerás, provavelmente, de uma maneira ou de outra, o progresso da
humanidade”.
Assim termino acreditando que, bem ou
mal, algum ‘progresso’ haverá de estar aí adiante.
E, só por curiosidade, andei
pesquisando o número de mortos em algumas guerras:
1ª guerra mundial: 15 a 20 milhões;
2ª guerra mundial: 40 a 56 milhões;
Guerra da Coreia: 2 milhões;
Guerra do Vietnã: 1,8 milhão e etc.
Isso sem lembrar os muitos genocídios
(em Ruanda, Kosovo, Dahfur, Camboja e etc. e etc.) que ao todo, já mataram
outros muitos milhões.
O fato de que agora mulheres poderão
participar diretamente de massacres, estupros (alguém duvida que a maldade
humana não encontrará um jeito de se refinar?) e derivados, deve ser
comemorado? Será que podemos chamar isso de ‘igualdade de direitos’ ou... progresso?
Algumas fontes:
Geraes de Minas
Confidências entre inconfidentes
Paulo R. Santos*
Ouro Preto: possivelmente, o cenário dessa conversa tão sigilosa quanto reveladora... (Foto: Dani Vargas) |
Lá pelos idos de novembro de 1788, um diálogo dessa natureza
pode ter ocorrido diante dos acontecimentos que se precipitavam na Capitania
das Minas Gerais:
- O senhor bem sabe dos riscos que todos os envolvidos
correm? Vossa Mercê tem ciência de que nem os irmãos maçons poderão livrar
todas as cabeças da forca se houver delação?
- Sim, meu caro capitão! Há entre nós os verdadeiros
idealistas, mas não somos ingênuos ao ponto de não suspeitar da existência de
infiltrados no movimento. Já sabemos de espiões franceses, holandeses e
ingleses acompanhando tudo, à espreita de oportunidades de atenderem aos
interesses de seus países.
- E nada será feito, Dr. Tomaz? Sabemos que o povo se
levantará se for declarada a Derrama (cobrança
compulsória dos impostos atrasados na Capitania), mas há quem desconfie dos
portugueses e dos grandes devedores envolvidos no movimento. Será que se o
cerco apertar poderemos contar com o
Silvério, com o Pamplona, com o Maniti e o Malheiros? Cada um tem interesses
próprios, dá para perceber nas reuniões !
- Quanto a isso, penso eu, nada podemos fazer caro capitão,
a não ser com a vigilância dos demais sobre eles e com o silêncio até o ‘dia do
batizado’ (senha combinada para o início
do levante, isto é, quando o governador da Capitania desse a ordem final para a
cobrança da Derrama). Mas não me agrada a falação aberta do Tiradentes
sobre o levante, conclamando Deus e o mundo para a luta armada que se seguirá.
Ele está a por o baraço no próprio pescoço e no pescoço dos demais envolvidos!
- Ele é um entusiasta, doutor, eu o conheço bem! Não vai
ficar calado nem que o amarrem. Mas o senhor tem razão quanto à prudência
nesses casos. Poucas vezes saí das Gerais, mas sei do que ocorreu nas
ex-colônias inglesas na América do Norte e o que está a acontecer na França. A coroa
portuguesa não terá misericórdia se o levante daqui for descoberto! Vai fazer
dele um exemplo para as demais capitanias e colônias ! Eu não confio no
Pamplona nem no Malheiros.
- Há que se vigiar, capitão. Os geralistas (gentílico
anterior a mineiro), porque nasceram nessas terras, têm com ela um vínculo
natural e profundo. Muitos ainda falam somente o nhengatu (língua criada
pelos padres jesuítas - mistura de português e tupi -, e que foi muito usada
como língua geral até a vinda da Corte para o Brasil). Raízes que pretendem
manter para seus descendentes. Eu mesmo não nasci na colônia, mas a amo mais
que a Portugal ...
- Mesmo entre os geralistas há os que vacilam. Muitos sabem
da guerra dos emboadas, da insurreição de Felipe dos Santos e do morro da
queimada, do morticínio dos índios e da perseguição aos quilombolas,
principalmente do fim do quilombo do Campo Grande. Há medo no ar e cheiro de
morte, Dr. Tomaz. Muitos se preocupam com suas famílias, parentes e amigos,
filhos e filhas, mães ...
- Já combinamos negar tudo, capitão, caso haja delação da
conjura. Se a negação conjunta não funcionar, os cabeças deverão minimizar o
assunto e dizer serem conversas de tabernas, ocas e sem propósito, assuntos de
gente bêbada, ... Ainda assim há risco, pois o governador pode não aceitar e
determinar investigações, se já não o está fazendo... Aqui é o estopim, caro
capitão, mas Pernambuco, Bahia, Rio e mesmo São Paulo estão a esperar os
acontecimentos iniciais a partir daqui!
- Há sempre um alto preço a se pagar pela liberdade, Dr.
Gonzaga. Os que como eu, aqui nasceram e cresceram estão cansados de trabalhar
e pagar impostos tão altos, e sem direito sequer a produzirem aqui o que
precisam ... nem mesmo sal ou tecidos comuns ... Comprar de Portugal o que os
ingleses produzem é o fim!
- Volte para sua fazenda, capitão, e em suas andanças fique
atento a qualquer movimentação estranha ou conversa suspeita. Envie um alerta
indireto em poucas linhas, e através de um mensageiro de sua confiança,
endereçado a mim ou ao Dr. Cláudio Manoel. Por agora, vou arejar um pouco
conversando com minha noiva, minha doce Marília !
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Arte
A alma humana no traço genial de
Osvaldo Goeldi
“ Os fenômenos da
natureza me empolgam – trovoadas, ventanias, nuvens pesadas, céu e mar, sol e
chuva torrencial e noites cheias de mistério, pássaros e bichos. Os dramas da
alma humana me consomem. Sinto-me bem com os simples e às vezes me confundo com
eles.” (Goeldi - 1937)
Um dia eu estava lendo um livro e me deparei com uma gravura intrigante
e perturbadora que depois eu viria a
saber, era de Osvaldo Goeldi.
Pois desde aquele dia, me tornei admiradora do trabalho desse
grande artista brasileiro e sempre me deixo fascinar por suas gravuras e
ilustrações.
Ao longo de sua vida, Goeldi (1895 – 1961) ilustrou vários livros,
alguns dos quais do escritor Fiodor Dostoiesvisk: nada mais adequado para dar vida
à literatura intensa e profunda do escritor russo do que suas gravuras
carregadas de profunda melancolia e
beleza.
A frase de abertura desse texto revela de maneira exata a
genialidade de um artista que, como poucos, soube retratar as angústias
existenciais e os muitos dramas humanos de uma maneira simples mas, justamente por isso, fascinante.
Na verdade, o motivo desse texto é informar que a Pinacoteca de São Paulo abriga até o dia 24 de
fevereiro uma exposição com 56 gravuras de Goeldi feitas entre 1924 e 1960.
Aqui você pode conferir algumas obras de Goeldi (gentilmente cedidas pelo Projeto Goeldi*). Vale informar que estas não são as obras que estão presentes na exposição.
Lá estão retratadas cenas
dos subúrbios cariocas, a vida anônima dos marginalizados, os variados dramas
humanos: tudo carregado de tristeza sim, mas também de muita poesia e beleza.
Quem quiser saber mais sobre a exposição,
acesse:
Acesse também http://www.oswaldogoeldi.org.br/ e conheça mais
da obra de Goeldi por meio, claro, de suas obras; mas ainda por meio da visão
de alguns escritores e intelectuais brasileiros. Vale muito a pena.
Um comentário:
Não conhecia a obra dele até ir a uma exposição belíssima no MAM - SP. Tido como um "modernista obscuro", suas obras impressionam pela qualidade técnica e pela leveza, que contrasta com o predomínio do preto. Totalmente apaixonante!
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