Ana Vargas
O povo visto do
alto parece formiga- correição, o povo enquadrado do alto pelas câmeras de TV (e os repórteres
parecem temerosos) ‘escorre pelas ladeiras’ ¹ e forma uma massa quente e
pulsante que parece lava de vulcão.
Dizem que ‘o povo’
acordou. Dizem até que esse povo que dormia em berço (você sabe o resto...)
agora sim, será Povo – com P maiúsculo – povo que merece apreço e respeito por
parte dos que o governam.
O povo: a coisa foi
tão assustadoramente grandiosa que desnorteou todo o resto ou melhor, todos
aqueles que parecem estar aqui nesse país como quem olha o tempo todo (e há
muito tempo é assim) lá para longe, para outros cantos do mundo.
É: por que existem
aqui tipos diferenciados de povo: existe o povo povo mesmo que é formado pela maioria de nós que compomos a massa
anônima que vive em cidades grandes, medianas ou pequenas; e se preocupa com a
segurança pública, o desemprego, a alta dos alimentos; que gosta ou não de
futebol, rock’n roll ou samba e MPB; que assiste novelas e filmes iranianos ou
franceses (e finge que gosta rs ou não) e que se revolta com a corrupção
política, acadêmica, televisiva e/ou
profissional (porque isso não existe só
nas câmaras e congressos da vida) e etc.
Pois, engendrado
nesse povo também estão aqueles nossos iguais que – não importa a idade que
tenham – ainda sonham com um pais melhor e entre estes há pessoas que tem de 17 a 70 anos e há mulheres, homens,
homossexuais, gente do bem e do mal, gente legal e gente que só veio (pra rua) para
‘ver e ser visto’, pra quebrar aquela porta da loja ou da banca (esses são como
aquele povo que em momentos de desgraça alheia vão ver o que dá pra aproveitar
dali) ou pra se enrolar numa bandeira que nunca significou nada assim, de
importante.
O povo é uma
fotografia de um bilhão de pixels vista bem de longe e o povo é essa mesma
fotografia aproximada a uma distância que permita que cada um desses pixels
cresça a uma proporção verdadeiramente real , terrivelmente assustadora e
profundamente tocante.
O povo assim emociona
mas também mete medo.
O povo, assim
crescido, ampliado, mostrando todas as suas tantas frustrações e submissões,
assim de repente, afloradas no rosto e nos gestos e nas vozes e na disposição
de andar e andar subindo viadutos, atravessando avenidas largas e praças
enormes...
...pois esse povo
apolítico, avesso a ONGs e sindicatos e agremiações², sem bandeiras pré
fabricadas por quaisquer marqueteiros e sempre visto com desdém por certo tipo
de povo que dizem, manda no país (e não falo só dos políticos); esse povo que
não possui liderança e que parece carregar consigo simplesmente o desejo velho,
remoto e tão ignorado de ser lembrado, apenas isso: de ser lembrado...
...pois esse povo
saiu às ruas e se fez notar.
Apenas isso: se fez
notar (e aí reside o grande feito).
Para além de toda e
qualquer discussão antropológica, sociológica, filosófica, política, poética,
jornalística (e suas várias implicações e manipulações) que seja capaz de fixar
esse evento no caudaloso fluxo da história...
...eu que nasci
nesse país no fim dos anos 60 e serei lembrada, portanto, como talvez, uma jovem senhora do começo do tempo
das redes sociais e das mídias digitais e das tantas novas formas de se estar
vivendo que surgem a cada nano instante...
...então, eu fiquei
por fim, feliz (mas antes eu também fiquei assustada) porque acho que ‘algo’
aconteceu. Algo tão absurdamente grandioso e tão genuinamente belo que pela
primeira vez (pelo que me lembro) tive certo orgulho (embora deteste essa
palavra) por fazer parte disso: por ser povo e por ter nascido nesse lugar
chamado Brasil.
E agora é esperar
pra ver se tudo isso vai (efetivamente) resultar em melhorias para todos nós:
povo.
1- Pedindo licença ao ‘Clube da Esquina’...
2- Sugiro a leitura
desse artigo escrito no Observatório da Imprensa:
Um comentário:
Isso que você escreveu foi... grandioso! É tão real e ao mesmo tempo tão...poético que comecei a ler como se estivesse participando de uma passeata. Foi lindo! É lindo!
Fiquei até emocionada.
A foto também está um show!
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