quinta-feira, 4 de julho de 2013

O povo, de surpresa, veio ver o Brasil


Ana Vargas


O povo visto do alto parece formiga- correição, o povo enquadrado  do alto pelas câmeras de TV (e os repórteres parecem temerosos) ‘escorre pelas ladeiras’ ¹ e forma uma massa quente e pulsante que parece lava de vulcão.
Dizem que ‘o povo’ acordou. Dizem até que esse povo que dormia em berço (você sabe o resto...) agora sim, será Povo – com P maiúsculo – povo que merece apreço e respeito por parte dos que o governam.
O povo: a coisa foi tão assustadoramente grandiosa que desnorteou todo o resto ou melhor, todos aqueles que parecem estar aqui nesse país como quem olha o tempo todo (e há muito tempo é assim) lá para longe, para outros cantos do mundo.
É: por que existem aqui tipos diferenciados de povo: existe o povo povo mesmo que é formado pela maioria de nós que compomos a massa anônima que vive em cidades grandes, medianas ou pequenas; e se preocupa com a segurança pública, o desemprego, a alta dos alimentos; que gosta ou não de futebol, rock’n roll ou samba e MPB; que assiste novelas e filmes iranianos ou franceses (e finge que gosta rs ou não) e que se revolta com a corrupção política, acadêmica, televisiva e/ou  profissional (porque isso não existe só  nas câmaras e congressos da vida) e etc.
Pois, engendrado nesse povo também estão aqueles nossos iguais que – não importa a idade que tenham – ainda sonham com um pais melhor e entre estes há pessoas que tem  de 17 a 70 anos e há mulheres, homens, homossexuais, gente do bem e do mal, gente legal e gente que só veio (pra rua) para ‘ver e ser visto’, pra quebrar aquela porta da loja ou da banca (esses são como aquele povo que em momentos de desgraça alheia vão ver o que dá pra aproveitar dali) ou pra se enrolar numa bandeira que nunca significou nada assim, de importante.
 
O povo é uma fotografia de um bilhão de pixels vista bem de longe e o povo é essa mesma fotografia aproximada a uma distância que permita que cada um desses pixels cresça a uma proporção verdadeiramente real , terrivelmente assustadora e profundamente tocante.
O povo assim emociona mas também mete medo.
O povo, assim crescido, ampliado, mostrando todas as suas tantas frustrações e submissões, assim de repente, afloradas no rosto e nos gestos e nas vozes e na disposição de andar e andar subindo viadutos, atravessando avenidas largas e praças enormes...
...pois esse povo apolítico, avesso a ONGs e sindicatos e agremiações², sem bandeiras pré fabricadas por quaisquer marqueteiros e sempre visto com desdém por certo tipo de povo que dizem, manda no país (e não falo só dos políticos); esse povo que não possui liderança e que parece carregar consigo simplesmente o desejo velho, remoto e tão ignorado de ser lembrado, apenas isso: de ser lembrado...
...pois esse povo saiu às ruas e se fez notar.
Apenas isso: se fez notar (e aí reside o grande feito).
Para além de toda e qualquer discussão antropológica, sociológica, filosófica, política, poética, jornalística (e suas várias implicações e manipulações) que seja capaz de fixar esse evento no caudaloso fluxo da história...
...eu que nasci nesse país no fim dos anos 60 e serei lembrada, portanto, como  talvez, uma jovem senhora do começo do tempo das redes sociais e das mídias digitais e das tantas novas formas de se estar vivendo que surgem a cada nano instante...
...então, eu fiquei por fim, feliz (mas antes eu também fiquei assustada) porque acho que ‘algo’ aconteceu. Algo tão absurdamente grandioso e tão genuinamente belo que pela primeira vez (pelo que me lembro) tive certo orgulho (embora deteste essa palavra) por fazer parte disso: por ser povo e por ter nascido nesse lugar chamado Brasil.
E agora é esperar pra ver se tudo isso vai (efetivamente) resultar em melhorias para todos nós: povo.
 

1-    Pedindo licença ao ‘Clube da Esquina’...
2-    Sugiro a leitura desse artigo escrito no Observatório da Imprensa:

Um comentário:

Anamaria disse...

Isso que você escreveu foi... grandioso! É tão real e ao mesmo tempo tão...poético que comecei a ler como se estivesse participando de uma passeata. Foi lindo! É lindo!
Fiquei até emocionada.

A foto também está um show!