MANIPULAÇÕES
Ana Claudia Vargas
No Aurélio manipular significa controlar,
dominar, entre outras palavras, já no Aulete significa também, 'manobra oculta ou suspeita que visa à
falsificação da realidade (...)
E então eu
me lembrei do titulo de um livro que nunca li, mas o achava instigante:
Marionetes de Deus.
Naquele tempo (perdido na poeira dos anos) eu acreditava que nós criaturas humanas não passávamos disso, de marionetes nas mãos do criador. E que, por mais que tentássemos ir ‘além’, ficaríamos sempre ali, no raso das coisas...
Naquele tempo (perdido na poeira dos anos) eu acreditava que nós criaturas humanas não passávamos disso, de marionetes nas mãos do criador. E que, por mais que tentássemos ir ‘além’, ficaríamos sempre ali, no raso das coisas...
Mas aí o
tempo passa e vamos acalmando o espírito (foi o que sucedeu comigo), estava
certo o Nelson Rodrigues ao intimar os jovens a envelhecerem.
Hoje diante
do excesso de pós-modernidade (e achando que isso é um clichê dos mais
pegajosos) eu fiquei pensando é que Deus perdeu o posto de ‘manipulador de
marionetes’ para outro deus: o consumo.
Este sim, é
tão poderoso que consegue envolver seus compridos braços visíveis e invisíveis,
bem por dentro de tudo o que nos cerca. O deus consumo move as aspirações da
maioria das pessoas, mas o problema não é esse: quem não quer viver de forma
razoavelmente confortável, cercado de aparatos que facilitem a existência e
podendo usufruir de coisas como conhecer aquele lugar dos sonhos, fazer aquele
curso que pode impulsionar a carreira ou simplesmente, saber que se algo
acontecer de ruim (um assalto, um acidente, qualquer imprevisto) não
ficará ao leu porque possui um seguro
ou um convênio médico?
Tudo isso é, de
certa forma, um benefício gerado pelas vias do consumo.
Não podemos
voltar aos tempos da simplicidade campestre e nunca mais (penso eu) poderemos
reviver aqueles sonhos juvenis nos quais pensávamos em viver longe da
civilização e de tudo o que ela representa (de bom e ruim). De algum modo, até
a pessoa mais distante das capitais estará enredada ou se verá enredada nas
teias do consumo, estará livre disso apenas aquele que escolher, de livre e
espontânea vontade, morar num convento, num mosteiro, ou seja, em alguns desses
lugares que existem para oferecer outros
modos de vida aqui na terra. Estar nesses lugares é talvez como viver em
redomas e ali sim, o deus consumo não terá poder nenhum por que todos conscientemente
(isso é essencial) buscam o ‘outro’ Deus. Estão imunes.
Pois é, mas
enquanto estamos aqui, fora da redoma, devemos ficar atentos para que o consumismo desenfreado
não turve a nossa visão de mundo.
Mas quantos estão
preocupados com tudo isso e quantos têm consciência disso?
Contaminações
Tudo isso
veio à tona, digo, chegou aos meus fracos neurônios, primeiro, motivada pelo certeiro
artigo do amigo Paulo Santos sobre manipulação e depois porque li sobre a influência que as tais
‘princesas’ (aquelas personagens da Disney que estão em todo canto) exercem
sobre as meninas do nosso tempo.
Houve um tempo em que fábulas existiam simplesmente para fazer sonhar as crianças... |
E sim: é
aquela mesma velha história dos tais padrões limitantes que são impostos às mulheres
(e aos homens e etc.) desde sempre: a questão da beleza, em primeiro lugar, e
de certas qualidades que tornariam uma pessoa socialmente aceitável.
No caso das
menininhas que gostam das princesas Disney por meio, não dos filmes ou
desenhos, e sim, primeiramente, das mochilas, roupas, batons e de toda a
parafernália que é feita em torno das ditas cujas; está claro que apesar de
todos os avanços modernosos da nossa ‘muderna’ civilização, o que se impõe a
elas é o mesmo pensamento raso que existe desde sempre: mulheres tem que ser
bonitas e magras e precisam se casar para que existam socialmente.
Está tudo lá
na pesquisa que a antropóloga Michele Escoura Bueno fez: hoje, em pleno século
21, com todos os avanços tecnológicos que temos ao nosso alcance, com todos os
estudos comportamentais feitos por ‘n’ pesquisadores renomados ao redor do
planeta que dizem que somos nessa altura da evolução, uma raça mais esclarecida
e sábia e apta para avanços ainda maiores e impensáveis...
Pois, apesar
de tudo isso, as meninas estão sendo educadas para achar que só serão felizes quando
casadas e os meninos, que só serão felizes se conquistarem uma moça, de
preferência, bonita e magra.
...mas, então, eis que a indústria descobriu que podia manipular todo o simbolismo de uma fábula como a da Cinderela.... |
Por trás
desse tipo de comportamento talvez estejam pais que não tem tempo de orientar
suas crianças e engolem o que a mídia televisa e etc. vende como sendo o modelo
de felicidade e nisso está, certamente embutida a ideia do “compre a mochila, e
o brinquedo e o vestido e o batom e veja o filme” (e sim: a ordem do 'processo' é essa).
E assim,
mais uma geração vai sendo criada para daqui a não sei quantos anos, impor aos
filhos, o mesmo modelo limitado de pensamento.
E em tudo
isso o que se vê é o braço da manipulação midiática que, visível ou invisível –
nesse caso, bem escancarado - vai moldando mentalidades, perpetuando ideias
preconceituosas de pais para filhos e contaminando a ingenuidade das crianças.
Que as
meninas gostem das princesas, mas que também gostem de livros, de outros tipos
de filme que não somente os da Disney e
que cresçam com a mente aberta para todas as boas possibilidades de serem
pessoas vivendo nesse mundo: seria bom
se assim fosse.
Acho que aí
sim, todos nós poderíamos ser ‘felizes para sempre’ como nos contos de fada da
Cinderela, Branca de Neve, Gato de Botas, Chapeuzinho, João e Maria...
A matéria:
Ilustrações
(domínio público) : Gustave Doré - Para
ver mais ilustrações fantásticas desse artista do tempo em que fábulas eram somente fábulas:
Os quatro pilares da manipulação
Paulo
R. Santos*
Atualmente existem quatro formas bastante eficientes de se
manipular as pessoas: o medo, a culpa, a ambição e as drogas.
- Através do medo o Estado se impõe quase sem esforço.
Assaltos, crimes vários, crise de
legitimidade, falta de confiança nas instituições, ausência de políticas
reais de saúde e de educação, democracia meramente formal, impunidade etc. Os
'donos do poder' podem, assim, aumentar seu aparato repressivo e autoprotetor
sem grandes resistências por parte da população. Haja vista o aumento de gastos
e do efetivo de 'robocops' e pretorianos com os quais as excelências se cercam
para se proteger da população e, é claro: a política de segurança pública nesse
cenário, é um mito;
- Através da culpa as diversas crenças mantêm os
'fiéis' sob controle, seja para conservar o rebanho no pasto próprio, seja para
impulsionar os ganhos financeiros. A culpa é um sentimento forte demais para ser
vencido sem ajuda ou determinação.
Romper com uma estrutura que se aproveita dessa emoção não é coisa fácil;
- A ambição é o recurso do capitalismo hoje baseado no
crédito & consumo. As pessoas compram um, depois dois e em seguida quatro
de qualquer coisa, mesmo que não precisem. Imagine toda uma sociedade fazendo a
mesma coisa? A jogatina oficial patrocinada pelo Estado, os diversos jogos e
apostas, o estímulo ao ganho fácil também reforçam esse meio de controle pelo
sonho de ‘subir na vida’
sem nenhum esforço;
- O tráfico de drogas e de armas responde por nada
menos que um terço do dinheiro que circula no atual sistema. Evidentemente, só
a base dessa pirâmide obscura aparece. É o chefe do tráfico local, o
distribuidor etc. Mas, os verdadeiros controladores do 'negócio' estão acobertados
por ternos e gravatas bem visíveis e costumam
estar bem postados nas tramas do sistema político e das corporações de todo e
qualquer país. São os tais 'big boss', os gângsteres, os chefões … psicopatas e sociopatas que transitam com
liberdade entre países e corporações e que podem assim, continuar buscando
formas de impulsionar seus lucrativos ‘negócios’.
Agora pense numa combinação desses elementos, veiculados insistentemente
por uma mídia comprometida com o grande capital e dependente dele e você terá a
realidade atual.
* Paulo R. Santos é sociólogo.
Um comentário:
Penso que vivemos num mundo de faz-de-conta-que... As fábulas deixaram de ter aquele papel "educador" e se transformaram em algo quase abominável para psicólogos e outros extremamente entendidos no assunto (o que não sou).
Sempre gostei de fábulas e das “mais belas histórias”, mas os personagens se transformaram em mutantes e zumbis. Perdeu a essência, não sei... E como você disse muito bem, viraram simplesmente artigos de consumo.
Eles passaram pelo processo da manipulação, como bem escreveu o Paulo R.Santos (Os quatro pilares da manipulação) e se transformaram em bolachinhas, roupinhas e artigos tão diversos que devoramos e usamos, mesmo sem querer, porque precisamos tornar tudo cor-de-rosa neste mundo absurdo.
Anamaria
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