segunda-feira, 26 de novembro de 2012


Na senzala com Danuza

Ana Claudia Vargas


Querer ser ‘especial’ é normal, mas isso não é para qualquer um não...


E então a Danuza meio que reclamou, na Folha¹ de ontem, do fato de que agora até porteiro de prédio pode viajar para o exterior pagando em não sei quantas vezes a viagem e diante dessa (suposta) facilidade concedida aos seres dessa categoria, ela pergunta: ‘qual é a graça?”.

E aí ela destrincha uma lista de coisas que antes eram ambições somente dos que tinham grana, mas que hoje estão disponíveis para qualquer um (que desplante!) que esteja disposto a parcelar e parcelar. Além das viagens, há os apartamentos, os carros, os brinquedinhos tecnológicos e tudo o mais que pode ser comprado para que a gente tenha a ilusão de que faz parte disso ‘tudo’, digo, das benesses da modernidade.

E então, primeiro (guiada pelo senso comum) eu a achei extremamente preconceituosa e fiquei pensando ‘também sendo ela quem é só poderia escrever esse tipo de coisa mesmo’ e etc. (A gente não pode esquecer que ela só se tornou colunista porque há mil anos foi casada com o Samuel Wainer.  É mais ou menos isso: ‘Diga-me com quem fostes casada e eu te direi que cargo ocuparás no jornal X’ . Apesar disso, se ela está aí há tantos anos e já escreveu até livros, e se seu texto faz com que as pessoas o discutam e escrevem sobre ele (!) é porque ela tem algum talentinho pra coisa, devo dizer).


Renata R. Inforzato
A visão desse símbolo de refinamento agora é para qualquer um....pode?!
Afinal...
(foto: Renata Inforzato*)





















Assim, pensando pelo lado do ‘talentinho’, acho que ela conseguiu até soar um pouco irônica em alguns trechos e daquele seu modo ‘carioca burguês’ de ser, ela faz uma leve criticazinha à onda consumista que parcela desde alimentos até viagens para África em trocentas vezes e nisso, eleva à condição de consumidores não refinados, pessoas que vão à Paris não para apreciar a verdadeira obra de arte a céu aberto que (dizem) é aquela cidade e sim, para comprar lembrancinhas para os parentes que moram nas periferias paulistanas, cariocas, mineiras e/ou soteropolitanas. 

Gente que nunca leu Proust ou Flaubert, ora essa!  Como ousam?!


Gentalha!**

Enfim, há um bando (e bando é a palavra certa) de gente viajando e consumindo desesperadamente porque é também cada vez maior o desapego das pessoas por coisas como livros (como ela fala no finalzinho, aliás**), pela apreciação do ‘mundo’ a partir dos lugares em que moram – por que ser um pé rapado na Europa ainda é mais chique do que ser pé rapado no Brasil? Pois é isso o que (imagino) pensa quem parcela viagens em 250 vezes para a Inglaterra, quando poderia (porque não?) conhecer o interior do Brasil (não estou falando dos lugares turísticos e sim de qualquer lugar, porque qualquer lugar na França ainda parece valer mais do que os melhores lugares de São Paulo ou Salvador) – digo, serem capazes de ‘olhar’ para seus bairros e cidades com algum apreço e desejo de conhecer mais sobre a história desse lugar. Talvez a gente ainda precise é aprender a ser brasileiros com alguma estima pelo fato de ter nascido aqui nesse país (nada a ver com orgulho e/ou isso de futebol + carnaval + novela brasileira e de achar que nós sempre precisamos criar uma imagem legal para eles, os estrangeiros; quando se sabe que eles vendem a imagem que querem pro resto do mundo e não estão nem aí... ).



Renata Inforzato
...quem você pensa que é pra pisar nestas pedras....

Mas quem não enxerga seu próprio país é certo que vai sair aí pelo mundo não enxergando muita coisa, aliás, na atual conjuntura, quem é que está querendo enxergar alguma coisa, não é mesmo?

O importante é consumir bastante, viajar e postar no ‘face’ as fotos diante dos pontos turísticos: ‘ver e ser visto’.

A Danuza talvez  esteja certa ao olhar pra tudo isso com o velho desdém (como disse, não podemos esperar muito dela, não é o caso) de quem sempre ‘viu’ (?) esse país de cima pra baixo (como acontece com quase todos os nossos colunistas), afinal, para quem esteve sempre acostumada a ser especial saber que essa frágil condição está cada vez mais ameaçada  nesse nosso pós-moderno, pré-apocalíptico (!) e suspenso em ondas de violência lá na faixa de gaza e aqui, na perifa paulistana... não deve ser fácil (tadinha dela, fiquei com pena...rs).


Humanos...ou não?



Pra terminar: que bom seria se todos os humanos – afinal, não somos todos ‘humanos’? Ou uns são mais humanos que outros? – pudessem sempre e sempre, viajar para a Europa ou pra Quixeramobim, comer em lugares refinados, estudar em boas escolas, ouvir boa música, mas para isso precisaríamos nos humanizar (estranho isso, visto que a priori, já somos humanos) e querer criar guetos e separações – como estamos vendo isso não tem dado  certo com os palestinos e israelenses, eles também se acham uns mais especiais que os outros; do mesmo modo que os alemães em relação aos judeus e etc. – não é a melhor saída, penso eu.




Renata R. Inforzato
...ou pra ver paisagens deslumbrantes como essa? Contente-se em olhar para o Tietê e/ou para  os morros periféricos!

E, apesar da ironia e de ter sido capaz de ‘ver’ isso no texto com uma ajudinha (é bom ter amigos inteligentes rs) eu ainda acho que a Danuza, bem lá no fundo, deve ter uma baita saudade dos tempos em que cada pessoa sabia ‘o seu lugar’. Do tempo em que empregadas domésticas eram obrigadas a dormir no emprego, do tempo em que brancos e negros eram somente brancos e negros e isso estava determinado por leis estatais que definiam até onde uns e outros poderiam se sentar nos transportes públicos.

Talvez ela devesse se mudar pra Índia, porque apesar das mudanças (ah, pós-modernidade, quantas guerras étnicas ainda vais causar?!) lá as tais castas ainda insistem e resistem e foi a pouco que (por exemplo) o estupro de mulheres de certas castas por homens de castas superiores, se tornou crime (quer dizer, as mulheres estão na batalha pra conseguir efetivar isso).

Viajei? Acho que um pouquinho, né?  É que ainda acho que todo ser humano deveria ser especial e enquanto a gente não souber enxergar isso uns nos outros, o mundo vai continuar sendo isso aí que tem sido e eu não vejo graça nenhuma em saber disso.

Com ou sem ironia.



 * Impossível não lembrar do Chaves (é eu acho graça naquilo) na hora em que o Kiko diz indignado e pulando rs "Gentalha! Gentalha!" rs

* Minha amiga Renata Rocha Inforzato é jornalista e está morando em Paris há mais de um ano. Ela é gente boa demais da conta, emprestou essas fotos lindas, anda por lá fazendo amizades porque como pessoa do bem, faz amigos onde quer que vá! Ela edita esse charmoso blog que vale (muito) a pena visitar sempre:




Seção Geraes de Minas


Hoje, mais uma vez o sociólogo Paulo Santos vem nos brindar com mais um texto que ilumina as muitas faces das Minas Gerais e, ninguém melhor pra falar de mineiridade, do que o Rosa com _ como bem diz o Paulo  -  'suas histórias (...)  cheias de crianças, de animais que pensam e falam, de loucos, de prostitutas, de cegos, de estropiados e profetas enlouquecidos na esperança de um outro mundo...". No texto abaixo, o Paulo explica porque o Rosa tem essa facilidade em revelar (e a palavra certa é bem essa) essas nuances mineiras mas tão universais. Ele ainda sugere um curta-metragem baseado no (grande) Grande Sertão Veredas.

Boa leitura, portanto!


Minas, segundo Guimarães Rosa



                                                                 Paulo R. Santos

Muita gente já escreveu e escreve sobre Minas. Mas - a maioria certamente -, escreve sobre Minas olhando de cima para baixo, ou da Casa-grande para a Senzala, se o leitor preferir. Guimarães Rosa viu Minas na horizontal, ao nível do solo, e o que viu e viveu descreveu em seus contos e romances  mágicos.

Ninguém escreveu e falou mais sobre os heróis obscuros e anônimos do que ele. Suas histórias estão cheias de crianças, de animais que pensam e falam, de loucos, de prostitutas, de cegos, de estropiados e profetas enlouquecidos na esperança de um outro mundo;  histórias cheias de mulheres que sofrem e choram. Umas se resignam, outras se vingam. Tiros e facadas, bois fora de controle, uma natureza que faz e desfaz as coisas de uma hora para a outra. A fé misturada em tudo!

No Grande Sertão: Veredas, tem lugar para o sofrido amor entre o jagunço Riobaldo e Diadorim dos olhos de buriti. Tem espaço para estranhos códigos de honra. Não se pode trair o bando e nem falar mal da mãe de ninguém. A mulher tem presença forte, e é o Riobaldo quem diz sobre as prostitutas, que elas são como irmãs. Ou “tudo que é bonito é absurdo”. Riobaldo, com o coração dividido entre Otacília, Nhorinhá e Diadorim !




“Amor vem de amor. Digo. Em Diadorim, penso também – mas Diadorim é a minha neblina” (G.R)




Guimarães Rosa foi buscar na fonte as origens e raízes de Minas. De uma Minas que desaparece lentamente, engolida por um tal de progresso que passa e mata que nem o bando do Zé Bebelo. O mineirês usado em seus livros também vai sumindo, com a morte dos últimos falantes desse jeito de conversar com o corpo e com a boca, enquanto a colonização de um estado sobre outro vai se consolidando pelas telenovelas de gosto duvidoso.

A jagunçagem hoje é feita por gente de terno e gravata; discursos limpos por fora e podres por dentro. Os bandos se apresentam na forma de siglas que pouco significam para os mais pobres e simples. Minas ficou cheia dos Hermógenes e por aqui nem o Demo faz careta mais. Hora de buscar conselho com o compadre Quelemém!


                                              …...........................

Curta-metragem de Marily da Cunha Bezerra, baseado em um episódio de "Grande Sertão: Veredas" de Guimarães Rosa.


Riobaldo conta o encontro que teve aos 14 anos no porto do Rio de-Janeiro, com um belo e estranho menino chamado Diadorim, e a posterior travessia pelo Rio São Francisco, que os levará à descoberta do amor, do medo e da coragem.
Direção e Roteiro: Marily da Cunha Bezerra
Direção de Arte: Kátia Coelho
Montagem: Sarah Yakhni
Trilha Sonora: Badi Assad 
Narração: José Mayer
Elenco: Nana de Castro, Cristina Ferrantini, Evandro dos Passos Xavier, Paulo de Souza, Manuelzão, D. Didi 



3 comentários:

Admirador disse...

Seu blog está cada dia melhor!! Parabéns você é uma ótima escritora! Bjs

Renata Rocha Inforzato disse...

Oi Ana

Obrigada pelo elogio! :)))))
Fiquei toda, toda...
Eu vejo com tristeza o comportamento de muitos brasileiros aqui na França, e é um comportamento que vejo independente de classe social. Vc sabe que amo cultura, história, essas coisas.... E aí aqui sempre topo com os brasileiros em viagem, e o que mais escuto deles: "ah, fui na loja tal"...E eles até vao ao Louvre, mas passam mais tempo no Carroussel (um mini-shopping com lojas mais conhecidas, situado antes de entrar no Louvre)do que no museu em si. Uma vez perguntei a um vendedor de guias em Rouen (cidade onde morreu Joana D'Arc) por que havia livros até em polonês, mas não em português. Ele me respondeu que quase não tinha portugueses (de Portugal, rsrsrs) e os brasileiros que apareciam lá não se interessavam por livros. Nem tive o que responder.... É por isso que não acredito na "emergência" do Brasil. Tudo não se resume só na economia. O Brasil será realmente um país grande quando valorizar a cultura e educação, saúde....Caso contrário, sempre seremos um povo iludido e deslumbrado. Um beijão

Anônimo disse...

Gosto muito de ler as postagens deste blog! É como seguir por caminhos já trilhados por pessoas com um jeito diferente de ver, de sentir.
Guimãrães Rosa era especialista em ver e sentir diferente. Quem se compara? - Ninguém!

Danuza, "que quase de nada sabe", precisa aprender a olhar - eu acho...

Anamaria