Faça-se a LUZ!
Ana Claudia Vargas
Esse lugar fica ali ao lado do Bom Retiro – o bairro das
confecções cujos donos são judeus, coreanos ou chineses e nas quais trabalham
muitos imigrantes latino-americanos – perto da Estação Júlio Prestes (linda) e
de centenas de prédios degradados (triste) . Ao redor, a gente vai encontrando
todo tipo de gente: com caras sofridas ou cansadas, com cara de estudantes ou
intelectuais que passeiam ali nos museus próximos; gente branca, negra, amarela
e de cores indefiníveis (pois morar na rua destrói a pele de qualquer criatura
humana).
Aqui deve ter sido um lugar bem glamoroso em tempos
passados, ainda restam uns casarões, uns prédios baixos com ares dos anos
cinqüenta e é aqui, bem no centro, que fica esse parque que resguarda entre suas
árvores centenárias e lagos e chafarizes, algo do que deve ter sido o sonho dos
paulistanos antigos. Aquele desejo não disfarçado de que essa cidade seguisse
um modelo de desenvolvimento europeu como, talvez, uma Londres tupiniquim.
Como sabemos isso não deu muito certo porque São Paulo fica
no Brasil e o Brasil fica na América Latina e então, é assim que a cidade se
desenvolveu: do jeito que foi possível, agregando o povo dos outros estados do seu
próprio país periférico (para desgosto
de alguns); à custa (também) do trabalho desse povo todo e agora, eis que a
cidade é isso: uma das maiores metrópoles do mundo – inchada, degradada - e que já não tem mais para onde se espichar.
Até lá longe, no que resta da mata atlântica, suas longas vias já chegaram e
seus planaltos já possuem milhares de moradores empilhados de uma maneira que sempre
me faz pensar: como essas pessoas conseguem morar naqueles lugares?
Mas voltando ao centro:
é aqui que pulsa esse coração
verde chamado Jardim da Luz. Dizer que é um oásis no meio da degradação e da
tentativa de reorganização urbana – muito necessária, aliás – é correto, mas não
faz justiça ao parque.
O jardim da Luz é muito mais do que isso e você verá por
que.
Segundo o site do parque * “(...) existem ali 73 espécies de animais das
quais 67 são aves. Há registros do cágado-pescoço-de-cobra, de peixes como
carpas, tilápias e acarás e, aves, como socó-dorminhoco, irerê,
martim-pescador-grande e frango-d’água-azul. Rapinantes como o gavião-caboclo e
caracará foram avistados. No bosque ocorrem algazarras de periquitos, maracanãs
e papagaios, além da presença de pombas silvestres e de diversas espécies de
beija-flores e papa-moscas (tiranídeos: pássaros da família do bem-te-vi) que
ali foram registradas. O Parque por ser uma “ilha verde” em meio à urbe, é, de
fato, importante parada obrigatória para aves florestais que por ali passam a
exemplo: beija-flor-preto, tucano-de-bico-verde, tucano-de-bico-preto e
bem-te-vi-pirata. A população de bicho-preguiça que habita o Parque desde o
final do século XIX, é na verdade, herança do primeiro e extinto jardim
zoológico paulistano”. Já a vegetação é “composta por bosques e jardins
implantados com espécies como alecrim-de-campinas, andá-açu, chichá,
corticeira, jenipapo, magnólia-branca, manila-copal, oiti, pau-marinheiro,
pau-ferro, sapucaia e sol-da-mata. Destacam-se as alamedas de
falsa-figueira-benjamim e de guatambu (...).
E, devo ressaltar: tudo isso é bonito demais de se ver.
E, ainda: tentei fotografar um sabiá e um bem-te-vi, mas eles não ‘deixaram’
rs.
Fauna (humana)
Era sábado e centenas de pessoas passeavam pelas alamedas do
Parque da Luz. Tanta gente de tantos lugares diferentes, tantas pessoas de
idades variadas, de jeitos diversos e todas tendo em comum certa expressão de
alegria, sofrimento ou resignação.
É gente que está na base da base da tal pirâmide social,
essa. Grupos enormes de bolivianos ou colombianos ou peruanos (desculpem minha
ignorância: todos tinham traços indígenas e eles não quiseram ser fotografados)
que como se sabe, quase sempre trabalham nas confecções paulistanas muitas
vezes em condições miseráveis. Mas ali no Parque eles estavam todos felizes com
suas crianças e seus refrigerantes. Muitos homens desses que parecem trabalhar
em serviços braçais, muitos idosos, muitas mulheres dessas das quais se diz
que levam uma vida ‘fácil’...
E preciso dizer que entre essas mulheres há desde
menores de idade àquelas que já são bem mais do que maiores, digo, mulheres com
mais de 70 anos (e eu pretendo falar delas numa próxima oportunidade).
Espalhadas pelas alamedas há esculturas e obras de arte impactantes,
afinal, o parque abriga a Pinacoteca do
Estado, na minha opinião, o lugar mais bonito e surpreendente dessa cidade.
E se o parque é assim tão belo por que tem essas grandes e
frondosas árvores antiqüíssimas que refrescavam o dia insuportavelmente
calorento ou ainda ou porque guarda esses resquícios da história de uma cidade
que se tornou absurdamente imensa, mas que nos idos do século retrasado, era
feita apenas dos sonhos ambiciosos dos
imigrantes de fora ou de dentro do Brasil... eu não sei.
O que sei é somente que o Parque da Luz era na tarde de
sábado, uma celebração de vida de
pessoas que parecem não ter nada a não ser o desejo de andarem por suas
alamedas e se esquecerem um pouco que seja, da vida dura que levam ‘lá fora’,
lá onde a cidade oprime e despreza.
Essas mulheres que vendem o corpo, jovens ou velhas,
esses homens que vendem a força do
trabalho, também jovens ou velhos; as crianças, filhas dos imigrantes latinos,
os negros e os brancos - eu vi uma
senhora japonesa bêbada e mendiga e isso me causou espanto, só ali eu poderia
ver isso – toda essa multidão em aparente (?) harmonia ali, no Parque da Luz,
centro da cidade de São Paulo, fez com que eu pensasse que o sábado era uma
celebração da vida em suas mais variadas e surpreendentes formas (que clichê terrível!).
Para terminar, digo: é um bom programa para os sábados passear
no Parque da Luz. Se você mora em São Paulo e não conhece, não perca mais
tempo; se não mora, quando vier coloque no seu roteiro.
A Pinacoteca
Pois é, e é no meio disso tudo aí – dos variados tipos de
gente e de pássaros e outros bichos – que está a Pinacoteca do Estado. Um
prédio de tijolos aparentes, de ar também antigo e que sempre tem exposições
maravilhosas.
Já perdi a conta do número de vezes que fui à Pinacoteca e sempre
há um canto novo a descobrir.
Além da arquitetura acolhedora e ampla, o fato de
estar ali dentro do Parque e numa região em constante reconstrução - como é hoje a área formada pelas grandes
avenidas que desembocam no ‘centrão’ - confere à Pinacoteca uma aura de lugar de
passagem e ao mesmo tempo, é como se aquele prédio fosse um porto e oferecesse segurança e certa
dignidade à enormidade de pessoas que
cruzam diariamente, incessantemente e há décadas, a grande avenida em frente, as escadarias do
metrô ali ao lado e etc.
Dizem que São Paulo não para (e isso é correto), mas é
preciso que haja no meio de tanta correria, um descanso para os olhos e a mente, e a
Pinacoteca oferece exatamente isso.
Resistindo bravamente ali no centro, ela é como um farol que
das entranhas do Parque da Luz, ilumina toda essa gente e revela muito mais de
São Paulo do que qualquer tese ou tratado ou discussão antropológica ou
sociológica jamais será capaz de fazer.
Todas as fotos: Ana Claudia Vargas
Sites que oferecem informações mais detalhadas:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/parques/regiao_centrooeste/index.php?p=5757
Geraes de Minas
Hoje o colaborador oficial desse blog - Paulo Santos - fala de Minas por outro viés: o literário.
Quantos causos como esse que ele conta nós mineiros já não ouvimos aqui e ali nas cozinhas e alpendres e praças das Gerais?
São tantas lendas e histórias que a gente não sabe se foram inventadas, vividas ou sonhadas.
Mas nada disso importa e sim, que tais causos oferecem a grata oportunidade de conhecer mais da alma dos mineiros por meio de histórias assim, verdadeiramente saborosas.
Pode-se viver muito em um único dia! |
Cavalos, armas, aparências
Paulo
R. Santos
Diziam que era um homem perigoso. Quando ele aparecia na
pequena cidade para as compras habituais, que depois levava para a fazenda, a
recomendação dos adultos era para que, nós crianças, não criássemos problemas
com o tal fulano, tido como valentão.
Certa vez eu o vi mais de perto, numa esquina, em cima de
seu cavalo, com sua barriga enorme, e debaixo daquela barriga enorme um
revólver que - segundo diziam -, era sua companhia inseparável. Olhou-me indiferente.
Tive medo, mais pelo que diziam dele do que por algum olhar, atitude ou sinal
de animosidade.
Anos mais tarde, já morando na capital, fiz uma visita à
cidade natal e de lá toca para a região da fazenda do dito cujo. Um amigo de
infância e eu, já um pouco mais que adolescentes, fomos até o casarão antigo
onde morava o tal valentão, mortos de sede e de cansaço pela caminhada, já sem
a antiga condição física para andar como antes. Os familiares dele continuavam
seus afazeres como se não estivéssemos alí. Mas, receber gente de passagem era
coisa comum demais naqueles tempos!
Recebidos com cordialidade. Café e um dedo de prosa sobre
qualquer coisa, e bateu saudade dos tempos em que andava a cavalo por aquelas
bandas. Arriscamos um pedido. Dois cavalos para um curto passeio pelas
vizinhanças. Não pôs impedimento e apontou logo os dois que poderiam ser
montados. Cavalos pegos, arreados e prontos, saímos pela região ainda bem
conhecida naqueles tempos.
Menos de duas horas depois estávamos de volta. Tiramos os
arreios dos animais e jogamos água no lombo deles, como é praxe, para fazer
escorrer o sal que se acumula e pode criar 'pisaduras', aquelas feridas que
demoram a curar.
Em nenhum momento, qualquer sinal de valentia ou de algum
sentimento descortês. A seu modo, nos tratou bem, sem a arma na cintura.
Agradecidos pela oportunidade de relembrar tempos idos, voltamos para a cidade,
onde esse amigo ficou e eu retornei para a capital.
A lição moral desse pequeno fragmento de recordação da
infância ficou bem clara: não acredite em tudo que ouve a respeito de coisas e
pessoas, e nem julgue pelas aparências. Pode ser o que revólver era só para
'impor respeito', e que talvez nunca tenha sido, de fato, usado. Pode-se viver
muito em um único dia!
Paulo Santos edita o blog http://animalsapiens.blogs.sapo.pt/
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Meio Ambiente
No artigo abaixo o professor Marcus Eduardo, economista 'do bem', faz uma pergunta direta e que carece de uma resposta urgente: o modelo de desenvolvimento atual alardeado como 'sustentável' é, afinal de contas:
Sustentável para Quem?
As consequências para a natureza de toda e qualquer economia que prioriza e faz de tudo para atender aos ditames do mercado que clama cada vez mais por excedentes na produção e no consumo (20% da humanidade consomem cerca de 80% dos recursos), atingindo picos de crescimentos inimagináveis (nos últimos 50 anos a economia aumentou em cinco vezes seu tamanho) é previamente conhecido: irreversível destruição ambiental, desmatamento em larga escala, poluição acentuada, queimadas constantes, escassez ecológica, extinção das espécies, emissão de gases de efeito estufa, entre outros.
Quem paga o preço é a natureza; mas quem sofre as consequências somos nós. O mercado é abastecido em nome desse modelo econômico-produtivo perverso e criminalmente responsável pela degradação ambiental - os mesmos 20% da humanidade mais consumistas produzem 80% da poluição total do planeta – descapitalizando assim a biodiversidade, colocando a vida em sério risco. Uma hora qualquer – espera-se que não seja tarde demais - alguém irá perceber que as palavras do cacique Seatlle ditas em 1854 ao governante norte-americano estavam pontualmente certas: “(...) Depois que a última árvore for abatida, eles vão perceber que não dá para comer dinheiro”.
Nunca é demasiado aludir que não se pode medir crescimento de uma economia quando, por exemplo, se derruba uma árvore, se põe ao chão um Jequitibá de 200 anos, quando se polui um rio ou se contamina uma nascente. Se isso tudo contribui para fazer o PIB subir, e de fato contribui, o nome disso só pode ser insanidade e estupidez econômica.
O certo é que não há economia que prospere e se mantenha ao longo do tempo nas bases dessa patologia que enaltece a destruição em prol de excedentes mercadológicos.
E não é que para atenuar esse discurso da destruição das bases naturais criadora de crescimento econômico falacioso, os economistas modernos, ditos tradicionais, rapidamente criaram a expressão “desenvolvimento sustentável”?
No entanto, não são poucos os que cometem crasso equívoco na vã esperança de que essa palavra mágica (sustentável) seja algo de fato aplicável e benéfico.
Em relação a isso, resta indagar: sustentável para quem? Como? Quando? Onde? Ora, continuando a exploração desenfreada de recursos naturais para o atendimento às solicitações vindas do mercado, como se a razão precípua do viver fosse unicamente frequentar as prateleiras dos supermercados e shopping-centers, não só se torna impossível sustentar esse crescimento como o mesmo é, na verdade, uma bomba-relógio potencialmente destruidora.
Desse modo, essa expressão sustentável é então, por si, falaciosa e de pouco valia. Num projeto de desenvolvimento econômico que se pretende ser sério e equilibrado, pautado pelas linhas mestras da competição, não é factível buscar a condição de sustentável uma vez que essa competição feita pelos mecanismos previamente conhecidos do modo capitalista de produção e consumo, apenas faz produzir mais exclusão à medida que uns poucos ganham e triunfam sobre a derrota de centenas de milhões de pessoas. Que fique bem claro: exclusão é conceito que não combina com a abrangência do termo sustentável.
Ademais, pelo lado da economia tradicional, argumenta-se insistentemente que o desenvolvimento sustentável é exeqüível, pois, um belo dia, a natureza irá responder pelas demandas dos recursos renováveis. Aqueles que defendem esse argumento se esquecem de que o universo é finito e não aumentará de tamanho.
A escala de valores que deve predominar então, caso queiramos priorizar a vida e o respeito às coisas da natureza, deve incluir a cooperação, a partilha, a solidariedade, a comunhão, o compartilhamento, o respeito aos limites da natureza e, antes e acima de qualquer outra coisa, às pessoas.
Definitivamente, o projeto econômico precisa estar à serviço da vida em todas suas dimensões, incluindo, principalmente, a perspectiva ecológica, incorporando assim, por exemplo, à ideia da economia verde, definida pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (PNUMA) como “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica”.
Urge condenarmos o modelo capitalista espoliador aí posto, visto que esse é criminalmente responsável pelos danos ora vivenciados. Já passou da hora de vivenciarmos um novo modelo de economia que seja capaz de incorporar à dimensão ambiental e valorizar definitivamente a perspectiva social. A vida tem pressa e o relógio do tempo passa rápido demais. Não nos esqueçamos disso!
- O autor é Economista, professor e Especialista em Política Internacional. prof.marcuseduardo@bol.com.br
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